Carnaval

Natacha Cabral
Natacha Cabral

Estamos na época carnavalesca. E quando penso em carnaval, pelo menos na nossa tradição, vem-me à cabeça a ideia de máscaras.

Nestes desfiles e momentos festivos, as pessoas decidem mascararem-se naquilo que gostam, que reconhecem humor ou, até mesmo, porque poderá ser uma bela oportunidade para não serem reconhecidas. Curiosamente, esta tradição deixou-me a pensar em algo: não será assim que andamos quase todos os dias? Mascarados? Tentamos disfarçar muita coisa nos dias de hoje, tanto que nos tornamos os mestres da ilusão. Disfarçamos dores emocionais, dores físicas, problemas familiares, sociais e por aí a diante. A lista é longa. Mas, do que tanto andamos nós a fugir? Qual é a nossa vergonha? Ou a nossa culpa? O que nos faz sentir tão mal que nos convida, todos os dias, a escondermo-nos por detrás de uma máscara mais ou menos elaborada?

Não quero divagar pela infinidade de possibilidades, vou-me apenas cingir aos aspetos emocionais. Por entre nós, nas filas, nos passeios, nos trabalhos, nas casas vizinhas, muito se evita e muito permanece silenciado. A esposa que detesta estar casada e que grita interiormente por liberdade; o trabalhador que odeia o seu emprego e faz cara de satisfeito; o homossexual que tem duas facetas; o filho que sonha com música, mas terminou o curso de advocacia imposto pela família; o adolescente que diz estar sempre tudo bem, mas está na verdade tudo mal; o pobre que se veste de rico e não tem o que comer; ou o rico que se mistura na imensa nobreza, mas que se sente mais solitário que nunca. Poderia continuar, mas talvez estes sejam alguns dos exemplos tão comuns por entre nós.

A grande questão é, porquê? Porquê as pessoas sujeitarem-se a tais sofreres com tamanha leveza? Será por fraqueza, incapacidade, culpa, medo, vergonha, má informação, tradicionalismos ou comodismos? A meu ver, poderá ser por um, ou por todos os motivos e mais alguns, mas é, no fundo, primariamente, por uma grande falha no autoconhecimento e naquilo que é a verdade de cada um. Já sabemos que a sociedade moderna é exigente e quer de nós o expectável, contudo, dificilmente o expectável nos convém, que é aquilo que o pai e a mãe querem dos filhos, aquilo que o marido quer da esposa e vice-versa, aquilo que o chefe quer do empregado e aquilo que a cultura quer do cidadão.

Ainda se evita, a olhos vivos, o tema depressão e ansiedade, como que se de uma aberração se tratasse. Todavia, os mesmos ganham força dia após dia, assim como as farmacêuticas ganham cada vez mais dinheiro com as elevadas doses de antidepressivos recomendados, mas lamento informar que este não é o caminho nem tão pouco a solução. Esta é, apenas, uma forma rápida de nos silenciarmos enquanto seres individuais, e de disfarçar as dores espirituais sentidas. Se a doença física tem sintomas óbvios, que nos faz procurar inquestionavelmente o médico, também a doença emocional tem sintomas emocionais que nos deveria obrigar a uma paragem urgente no nosso consultório interno – reconhecer e aceitar a nossa verdade e efetivar as devidas mudanças necessárias.

De nada vale continuar o uso de máscaras ou de varrer os sinais para debaixo do tapete, pois isso só irá aumentar as chances de um futuro ainda mais difícil de suportar e, consequentemente, sem saída à vista. As dores são reais e não deveriam nunca ser ignoradas, uma vez que funcionam como um guia interno ao nosso bem-estar.

Seja como for, e não querendo causar o pânico, é importante celebrar o carnaval que nos confere alegria e animosidade, mas por favor não deixe que o seu carnaval perdure em vão no rio da infelicidade e da confusão. A vida é demasiado curta para longas metragens dramáticas.

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