O meu avô materno, António Alves Ferreira, foi mobilizado para a 1ª Guerra Mundial no último ano: 1918. Fez a recruta no Regimento de Infantaria de Leiria e, meses depois, estava ele mais o seu batalhão em Lisboa para se deslocarem de comboio até França. Na véspera da partida foi entregue a cada um bornal com bastante comida e um aviso:
– Isso é o que vocês vão comer durante todo o trajeto.
A viagem demorava cinco a seis dias. O meu avô António ouviu ainda um outro aviso que só veio a perceber, muitos quilómetros após a partida: acontece que as carruagens atafulhadas de magalas eram puxadas à frente por uma locomotiva e empurradas atrás por outra locomotiva, apenas parando em determinadas estações para se abastecerem de carvão e água.
Quando os intestinos dos soldados faziam as suas inadiáveis exigências, havia duas estratégias.:
1. Se era urgente, o soldado corria para a última porta da última carruagem e de rabiosque de fora, aliviava a tripa.
2. Se não era urgente, o soldado aflito aproveitava um troço em que os comboios se arrastavam montanha acima, saltava fora da primeira carruagem, aliviava-se rapidamente, para depois correr, ainda a tempo de apanhar a última porta da última carruagem.
Dizia-se que alguns soldados (falava-se em quatro) aproveitaram esta última ocasião para desertar, justificando-se eles não terem conseguido alcançar o comboio.
A verdade é que assim que passaram os Perineus e entraram em França, o exército alemão assinou um tratado de rendição incondicional.
– Tiveram medo quando souberam que éramos nós.
Isto comentava o meu avô com o ar soturno que lhe conheci nos últimos anos da sua vida. Quando o Pandita Nehru invadiu e tomou Diu, Damão e Goa, a Emissora Nacional transmitia discursos patrióticos ao som do hino nacional. Meu avô chorava, fazendo o mesmo comentário:
– Não foi para isto que eu ia morrendo na França.
Era o orgulho que lhe restava. Na verdade, ele nunca deu um tiro na 1ª guerra mundial.