Ainda há quem teime em comparar o país do Estado Novo com o tempo pós 25 de Abril, tentando convencer-nos de uma situação financeira mais vantajosa antes do que a verificada presentemente.
Basta uma pesquisa rápida à internet para que logo se encontre teóricos, aparentemente sabidos, a tentar provar o improvável. Munidos de um conjunto de quadros e gráficos, tentam fazer um paralelo entre os dois períodos na base da evolução do PIB português, comparando-o com as economias mais avançadas do mundo. Jogando com os números, tentam subverter realidades, passando um atestado de menoridade a quem sentiu na pele os efeitos da política de má memória de Salazar e Caetano.
Os indicadores, em todos os domínios, são uma ferramenta de estudo importante para nos informar e saber compreender da bondade ou nem tanto das gestões com que nos confrontamos. Mas é preciso ser sério nestas abordagens, já que é sempre possível manipular os dados de acordo com os interesses que defendemos e assim ludibriar incautos. Mais importante que os valores económicos e financeiros são as formas de vida que teve quem viveu os dois períodos em questão.
Há dias, um amigo que tem negócio de porta aberta dizia-me que se confronta regularmente com clientes a perorar sobre este tipo de teses. “Para esses, sem rodeios e abstraindo-me de juízos teóricos e grandes perdas de tempo, eu tenho argumentos fáceis”, dizia-me. Meia dúzia de perguntas e o assunto fica arrumado: “Nesse tempo que lhe deixa saudades, andou descalço em dias de neve; socorria-se da sopa dos pobres, em filas intermináveis para apanhar uma malga de caldo de couves e unto, que só chegava para metade dos enfileirados; andava esfarrapado, com calças mal remendadas para, sem o conseguir, iludir um frio de tolher os ossos; estudou numa escola gelada, de vidros partidos e sem casas de banho, onde só se sabia reprovar; fazia percursos intermináveis a pé porque não havia transporte e o que havia era caro; defecava no meio da horta, com a chuva a bater-lhe no rabo; tomava banho com água fria de balde e só no verão porque no inverno o coração não resistia; alimentava-se, esporadicamente, com sopa, broa e sardinhas, quando as havia? Não passou por isto, pois não? Olhe, mais de 50% dos portugueses, tal como eu, por isso passou. “E a conversa morre aqui”, termina o meu amigo. De facto, não vale a pena argumentos para realidades tão evidentes.