Comunicações eletrónicas: o “calcanhar” de Aquiles dos serviços de interesse económico geral?

Mário Frota
Mário Frota

O Regulador das Comunicações, a ANACOM, por decisão de 8 de Fevereiro em curso, infligiu à MEO coimas no valor total de 329.000 € pela prática dolosa de 16 contra-ordenações económicas graves.

Porém, o cúmulo jurídico previsto na lei, provocou uma redução substancial do montante global das coimas: ter-se-á fixado, em “definitivo”,  em 48 mil euros, valor máximo legalmente permitido.

Em causa a adopção pela MEO (a antiga PT, o monopólio das telecomunicações, outrora na esfera do Estado), que detém praticamente, após a liberalização dos serviços de interesse económico geral,  o monopólio na região Centro (no Pinhal Interior e ainda para além dessa linha de delimitação), de práticas comerciais desleais nas relações com os consumidores que, em virtude dos incêndios de Junho e Outubro de 2017, ficaram privados dos serviços de comunicações electrónicas, sem telefones, sem internet, sem televisão….

Práticas que,denunciadas ao Regulador, deram origem aos autos que só agora, mais de quatro anos depois, terão chegado a bom termo com a aplicação das coimas, vale dizer, de sanções em dinheiro. 

Aquando da reposição dos serviços na região afectada pelos fogos, no recuado ano de 2017, ter-se-á observado que a MEO

• prestou falsas informações aos consumidores, designadamente o não ser possível o contrato só do serviço fixo de telefone, antes obrigando os interessados a um contrato com uma pluralidade de serviços oferecidos em pacote;

• e com isso levou os consumidores ou a celebrar novos contratos – o que se registou em muitos casos por patente necessidade – ou a desistir de contratar porque as prestações oferecidas não estavam ao alcance da sua bolsa, ficando assim de todo privados de contactos por telefone com o mundo exterior.

A Lei de Defesa do Consumidor – LDC, no seu artigo 9.º, o da protecção dos interesses económicos dos consumidores, proíbe o que os brasileiros denominam, com propriedade, por “vendas casadas”, algo que, entre nós, ora tem o nome de vendas ligadas, ora de vendas associadas.

Com efeito, o n.º 6 do artigo 9.º da LDC estabelece, sem tirar nem pôr, que:

• “É vedado ao fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros.” Com efeito, ao consumidor é dada a possibilidade de contratar os serviços que entender, não podendo forçar-se-lhe a mão a que subscreva um pacote de serviços em vez do serviço singular que pretenderia. Contrariar um tal preceito é incorrer em violação de um direito fundamental.

O Regulador, no comunicado que difundiu, diz nomeadamente que “as práticas adoptadas pela MEO são especialmente gravosas, tendo em conta a vulnerabilidade (diríamos, até… a hipervulnerabilidade!) dos consumidores, que ficaram privados dos serviços de comunicações electrónicas durante meses, na sequência de uma catástrofe que culminou na destruição de vidas, de bens materiais, de uma apreciável extensão de floresta e de áreas verdes, que eram o sustento de grande parte da população residente nas zonas afectadas pelos fogos de Junho e Outubro de 2017.” 

E prossegue: “alguns dos consumidores afectados são ainda particularmente vulneráveis em razão da sua idade e pelo facto de viverem sozinhos, em locais isolados, e que acabaram por ficar sem comunicações durantes meses.” 

A Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), no que à medida da sanção se reporta, expendeu um juízo, de resto certeiro, a propósito da mísera expressão da coima infligida à MEO: as preocupações oportunamente manifestadas e recentemente reforçadas pela Comissão Europeia  para que os Estados-membros assegurem a aplicação de sanções “…efectivas, proporcionadas e dissuasivas…”, não se atingirão se o máximo estabelecido por lei para as práticas comerciais desleais se limitar a 24.000 €, como ora ocorre, no patamar de gravidade de que se trata: é que um tal montante não é efectivamente dissuasor da adopção de tais tipos de práticas no sector das comunicações. O que imporá decerto a necessidade instante da ‘revisão desse regime’ (recentemente revisto por diploma de 9 de Janeiro de 2021, com a uniformização do regime de contra-ordenações nos sectores económicos do mercado de consumo e com a fixação de penalidades demasiado suaves, de todo injustificáveis, para certos tipos de actividades).

Uma coisa, porém, é certa: as comunicações electrónicas em matéria de atropelos aos direitos do consumidor continuam a levar a palma aos mais serviços, tamanhos e tais os níveis de agressão ao estatuto do consumidor a que se assiste.

N.R.: O autor não segue o novo Acordo Ortográfico.

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