A obra do Conde d’Aurora é fundamental para compreender o Alto Minho, nomeadamente através do seu “Roteiro da Ribeira Lima” de 1929, onde faz uma descrição das paisagens, solares, monumentos e tradições desta região, tendo a perfeita consciência de que o progresso estava a alterar modos de vida que, de tão antigos, pareciam imutáveis. É também notável a leitura de “Esparsos, Raros e Inéditos do Conde de Aurora”, uma coletânea organizada por João Abreu Lima e Ovídio Vieira que reúne artigos dispersos por publicações periódicas locais, regionais e nacionais, versando temas como a defesa do ambiente, a preservação do património ou as tradições locais, entre outros abordados pelo autor.
Estão nesta linha os livros “O Pinto” (1921) e “D. Aleixo” (1935). Escritos sob a forma de romance que se passam numa Ribeira Lima onde “o Lima era uma extensa fita azul e prata, torcendo-se por entre verduras, cortado além pelos velhos arcos romanos de Ponte de Lima, desenhando as voltas vagarosas e lindas entre milharais e vinhas, prados e casebres brancos, pequeninos, rentes à terra” (D. Aleixo, p.124), mas onde os ventos da modernidade ameaçavam este bucolismo e novos protagonistas emergiram na sociedade. Os retratos de D. Aleixo e do Pinto – aliás, inspirados nas personalidades reais do escultor Aleixo Queirós Ribeiro e de António Mimoso – anunciam esta mudança, na linha do que Eça de Queirós fizera em “A Ilustre Casa de Ramires” ou “A cidade e as Serras”, ou ainda Tomasi di Lampedusa n’ “O Leopardo”, para a Sicília, ou Emília Pardo Bazán para a Galiza em “Os Paços de Ulloa”.
D. Aleixo é um fidalgo arruinado que, com a morte do seu pai, vende o seu solar para ir para Paris, com o sonho de se tornar um grande escultor. Vai fracassar no seu ideal e acaba por casar com Violet, uma rica herdeira argentina da firma da fábrica de chapéus “Oh! My hat Ld” que sucumbiu aos encantos do senhor “representante d’um castelo no Minho, edificado no século XII, atualmente boémio e artista na disponibilidade” (idem 85), e é com o dinheiro da noiva que Aleixo vai recomprar o solar que vendera, mas que ela julgava que ele ainda detinha… A descrição da entrada de Violet na casa, desdenhando de tudo o que não lhe lembrava o luxo americano é hilariante, acabando por abandonar o seu marido e fugir rapidamente para ambientes mais cosmopolitas. Aleixo acaba por morrer (ou suicidar-se?) ao procurar também ele o frisson da velocidade, numa louca correria com a sua parelha de cavalos.
Já o Pinto, tem um subtítulo muito esclarecedor: “infância, paixões e morte de um cacique eleitoral”, esclarecendo que essa paixão era “mandar na aldeia, nas freguesias limítrofes, (…) o seu lema era simples, e, para ele, a política – «a arte de governar os povos» cifrava-se nesta equação: «fazer favores, angariar votos»” (O Pinto, p.33).
O livro relata-nos a atividade e ascensão deste cacique, nos últimos anos da Monarquia Constitucional e Primeira República, na conquista de um poder que, à hora da morte, vai reconhecer ter sido “inútil, contraproducente e maldosa”, e não ter contribuído para a felicidade dos seus vizinhos, num final moralizador: “se tivesse vivido bem, todos viveriam bem na sua aldeia. Pão alegria e trabalho para todos” p.104).
Estes dois livros estão esgotados há muitos anos, mas em 2021, comemorando os 125 do nascimento do escritor José de Sá Coutinho, o 3º Conde d’Aurora, os seus netos decidiram reeditá-los. Os livros são vendidos em conjunto, com um outro volume com um estudo aprofundado sobre o autor e o ambiente cultural, por João Cândido de Oliveira Martins, professor na Universidade Católica. Falta apenas dizer que podem ser pedidos a Rosário de Sá Coutinho, pelo e-mail [email protected]. Boas leituras!