Confissão à Arte, minha velha amiga da onça

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Talvez tenhas dado por mim, mas não te quiseste mostrar. Ajoelhei meus passos no teu caminho e tu não viste. Sempre tiveste duas pedras brancas nos olhos e cego foi o meu coração. Sempre foi de mármore o teu rosto em todas as manhãs. Parte-me o peito a amargura, sempre que toda tu és apenas figura, retórica figura.

Afogado na tristeza, nunca uma boia me lançaste. Um fio de silêncio, de lágrimas molhado, foi o espaço vazio que criaste, o poema sem alma, a tela negra onde cravei os dedos e cuspi as cores sem brilho.

Desonrei o corpo das palavras e o seu mais alto dizer, para esmolar um verso, um rasgo de cor ou…morrer. Tu nada quiseste saber, em todas as plúmbeas manhãs derretidas em chuva.

Nasço e morro contigo todos os dias, amparado em versos que não têm mãos e logo se quebram aos primeiros raios de sol. Todas as minhas rugas faciais estão assinadas por um roteiro de ansiedades num calendário de esperanças, todos os meus nervos estão marcados pelos dedos vulcânicos da paixão. Em todas as manhãs perdidas no leito da angústia, só a ilusão foi minha amiga. Para ela me arrastaram as nuvens e com elas me confundi, com elas me perdi. 

Sei que o meu lugar é aqui, ainda que eu não saiba o lugar que ocupo. Faço que rio, faço que choro, faço que canto, ao som ausente de um Quinteto para Clarinete. Mas não posso viver sem ti. Mais do que nunca, preciso de ti para viver o amor, a mais bela das frustrações. 

O meu silêncio, de espada em riste, parte os teus olhos de pedra, e canta. Canta uma qualquer Chanson Romanesque a uma qualquer Dulcineia, perdida nos montes, algures, para lá do arco-íris.

Adão Cruz 

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