Confusão de Sentimentos

Sidónio Ferreira Crespo
Sidónio Ferreira Crespo

O cliente entrou, sem pressa, dirigindo-se ao balcão de atendimento. Sorriu, quando me aproximei. Apresentava-se com uma camisa clara de mangas compridas, mas com os punhos dobrados, juntamente com uma calça de bom corte, saída de oficina de alfaiate. Nada, portanto, de pronto a vestir. A barba cerrada, curta, no conjunto com uns vistosos óculos redondos davam-lhe um ar de elegância e sedução. Tentei perguntar, toda airosa, enquanto o meu coração acelerava, face aos pensamentos que me ocorriam, se podia ajudá-lo, sem tão pouco, presumo, demonstrar o que sentia. 

– Claro! Estou a procurar uma boa água de colónia, porque a minha já acabou. Queria uma bastante cítrica. – Fazendo pausa – Tem algo assim?…

Abri o sorriso. Ajeitei o cabelo que me caía numa parte do rosto, respondendo:- Lógico! Venha, comigo. – Dando à voz uma pronúncia extremamente profissional, porque, afinal de contas, naquele momento, era apenas uma vendedora de loja. 

Acompanhou-me, até à secção de objetos masculinos. Pelo caminho, perguntei, quase à surdina, na perspectiva de criar ambiente:

– Qual é o seu nome?

– Carlos! – Respondeu, rapidamente, em tom natural. 

– Olhe, temos um produto que acabou de chegar, referenciado citrinos e um pouco amadeirado. Quer experimentar? Está a sair bastante. – Ofereci. Ao mesmo tempo pegava no destinado à demonstração, que estava exposto na prateleira. Pedi licença e coloquei, um pouco, no pulso esquerdo do Carlos, que, aliás, exibia uma grossa pulseira de ouro. Ele então, aproximou o pulso do nariz e inalou com fragância. 

– Gostei! – Afirmou – Vou levar duas embalagens. Uma para mim, outra para o meu sogro. 

A palavra sogro caiu como um raio na minha cabeça. Por que diabos estava sem aliança? Só descobri a razão quando se abaixou para digitar a senha do cartão, para pagamento, e vi outra corrente de ouro no pescoço com uma aliança pendurada, o que é pouco vulgar. 

Sem perder a postura, entreguei o comprado, despedindo-me. O meu coração bateu, mais forte, ao ver aquele homem entrar na boutique, sonhando, em simultâneo, atento ao passado, com um possível relacionamento. Com o andar da vida, ao deixar a latitude de criança, tanto no acaso, como no circunstancial, os encontros, os convívios, ou até os namoros, caíram, sempre, no tempo, na frustração. Perante esta intempérie sentimental, sinto-me, sem dúvida, cansada de esperar. Até quando?…

Corri, então, para o quarto de banho e fiquei, por lá, um bom tempo, sentada sobre a tampa da sanita. O ego apresentava-se triste, incrédulo e idiota. Como podia nutrir esperanças de travar conhecimentos com qualquer homem que entrasse, porventura, no estabelecimento? Que modelo de mulher era eu para desenvolver esse tipo de raciocínio? 

Refeita de toda aquela situação que criei na cabeça, voltei, novamente, para trás do balcão. 

Passado algum tempo, a gerente,mandou-me orientar um casal que acabara de entrar. Fiquei com certa inveja da rapariga, já que o moço era impressionantemente bonito. Tudo, nele, chamava a atenção, tanto pelo porte, como pela maneira de vestir. Aproximei-me aberta em simpatia. 

– Amanhã é o aniversário dele. Preciso de comprar algo. – Disse, a jovem, toda cheia de sorrisos. 

Foi, então, que o cavalheiro, um morenaço, de olhar matreiro, intervei-o: – Esta minha irmã é mesmo a melhor irmã do mundo, não é?… – Não obteve resposta. 

Pronto. Lá estava, novamente, a criar esperanças. Mas reflecti…

Fiz uma excelente venda. Acalmei os pensamentos com a percentagem que iria receber. 

Nota: Este conto, por vontade do autor, não segue a regra do novo acordo ortográfico.

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