De Eça de Queirós a… Lobo Antunes sem evolução… e as companhias imunes!

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Mário Frota

Cortaram a água ao Eça!
Até tu, Eça?

É reveladora dos “crimes de antanho e dos actuais” a carta-imprecação de Eça de Queirós ao director da Companhia das Águas de Lisboa, Senhor Pinto Coelho, a um tempo, chefe do Partido Legitimista português.
“[…] Dois factos igualmente graves e igualmente importantes, para mim, me levam a dirigir a V. Ex.ª estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças Carlistas sobre as tropas Republicanas, em Espanha: o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.
Abundam os Carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Ex.ª, a responsabilidade da canalização e a do direito divino.
Se eu tiver fortuna de exacerbar até às lágrimas a justa comoção de V. Ex.ª, que eu interponha o meu contador, Exmo. Senhor, que eu interponha nas relações de sensibilidade de V. Ex.ª com o Mundo externo; e que essas lágrimas benditas de industrial e de político caiem na minha bandeira!
E, pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Ex.ª o permite, dos nossos contratos. Em virtude do meu escrito, devidamente firmado por V. Ex.ª e por mim, temos nós – um para com o outro – um certo número de direitos e encargos. Eu obriguei-me, para com V. Ex.ª, a pagar a despesa de uma encanação, o aluguer de um contador e o preço da água que consumisse.
V. Ex.ª fornecia, eu pagava. Faltamos, evidentemente, à fé deste contrato; eu, se não pagar, V. Ex.ª, se não fornecer.
Se eu não pagar, faz isto: corta-me a canalização.
Quando V. Ex.ª não fornecer, o que hei-de fazer, Exmo. Senhor? É evidente que para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso, no análogo àquele em que V. Ex.ª me cortaria a canalização, de cortar alguma coisa a V. Ex.ª
Oh! E hei-de cortar-lha!…
Eu não peço indemnizações pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água. Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos nem prejuízos…
Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça distribuída: – quero cortar uma coisa a V. Ex.ª!
Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu posso cortar a V. Ex.ª.

Tenho a honra de ser
De V. Ex.ª com muita consideração e umas tesouradas,
Eça de Queirós”.

E se fizéssemos como em França, em que se proíbe o corte de água, ainda que por falta de pagamento, porque o corte não é compaginável com a categoria de DIREITO HUMANO atribuível à AGUA em 2010?
Tão progressistas que nós éramos, tão regressistas que nós somos!

(Imagem: “Na escola. Escrever quase na água”)

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