De Jesus Cristo a Jesus, Cristina!

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Agora que nos tentamos convencer que o pior já passou, porque estamos fartinhos de regras de confinamento com as quais nunca vivemos antes, mas que a comunidade médica adivinha uma nova vaga pandémica para breve, é altura de pensar porque deixaram de ser ouvidas as vozes da cultura. É que elas ainda gritam, em desespero, tão fragilizadas como nunca… mas curiosamente, não se ouvem. Foram caladas. Se antes, no meio de tanto alarmismo, se dava ainda algum (pouco) protagonismo ao sector artístico, agora deixamos pura e simplesmente de ser notícia. Porque não o somos, de facto. Haver actores, músicos, técnicos, artistas circenses a passar fome, deixou de ser novidade em Portugal. Muito em breve será também a realidade dos artistas populares, cuja principal actividade foi interrompida nos meses de Verão. E falo-vos desde o animador de hotel àqueles que montam palcos e até mesmo dos senhores das farturas.

Enquanto foi necessário exigir medidas urgentes, emergentes, de um Ministério da Cultura pouco solidário e pouco humilde, incapaz de reconhecer uma competência lúcida e consultar o sector pelo qual supostamente intercede, os media dispensaram caridosamente alguns minutos às suas preocupações. Diga-se também que pouco ou nada, às manifestações que aconteceram em Faro, Lisboa, Porto e… Viana do Castelo. Agora que a senhora ministra fez, pelas suas próprias palavras, “os possíveis”, silenciaram-nos. Dos “possíveis” constam a permissão do desrespeito pelo trabalhador a falsos recibos verdes como os da Casa da Música, de Serralves e tantos, mas tantos outros com muito menos popularidade; trabalhadores com pedidos de apoio indeferidos com justificações lacónicas, incompreensíveis pela demora e em comparação com semelhantes cujos pedidos foram deferidos e trabalhadores que receberam um apoio que não lhes permite sequer pagar a contribuição mensal (obrigatória) à Segurança Social.

O consumo de televisão aumentou como nunca durante o Estado de Emergência. Compreensível. O que não é compreensível é que tendo havido um aumento deste consumo e, por conseguinte, um aumento dos lucros, o Governo tenha comprado 15 milhões em publicidade institucional. 15 milhões! Os critérios que presidiram a tal afectação de verbas são enigmáticos para o público geral. No entanto, Media Capital (TVI) e grupo Impresa (SiC e Expresso) obtiveram a maior verba. E as preocupações da cultura desvaneceram.

Se ao menos houvesse um Big Brother… perdão, um Grande Irmão que olhasse por nós… E não me refiro a um novo reallity show, mas a um parente que cuide e nos proteja…

Sim, o actor, o músico, o bailarino, o pintor… essa cambada de subsídio-dependentes que não querem trabalhar, estão finalmente sossegados no seu canto. Obrigada Portugal, por nos terem dado a honra de nos verem animar-vos durante o confinamento!

Foi precisa uma década para nos levantarmos da última crise. Lembram-se? Vemo-nos daqui a dez anos, numa sala perto de si. Porque nem todos temos direito àquele drink de fim de tarde.
Linda Rodrigues, actriz, encenadora e escritora

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