Desfile da Mordomia – Anotações

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Para a Sara, em Amsterdam.

Tudo se prepara.

12, 13, 14,15, 16 horas de nervosismo no ar.

Setecentas mulheres vão passar por aqui. Visualizo a serenidade dos seus silêncios quando passam e penso que é difícil aguentar tanta beleza.

Setecentas Minhotas, setecentas mulheres do Mundo, livres, herdeiras da luta secular de tantas outras mulheres, vão passar por aqui. Setecentas mulheres, na sua condição de mulher em estado geral de resplandecência.

O Ouro, na sua alquimia, manifesta-se ao seu redor, o corpo arrepia-se, as palavras ficam paradas sob setecentos peitos de leite e mel alheios a milhões de euros em ouro que transportam.

Quando passam, transmutam o ar numa coisa profundamente inefável. Aí vão elas, na sua lúcida calma, sob os 38 graus da tarde do dia 18 de agosto de 2022.

Carregam levemente a tradição do traje que as torna nas Matriarcas do Mundo, nas flores únicas de todos os jardins secretos do Mundo.

À sua passagem, o ar, de novo, fica mais leve. O ar, visto do Kosmos, estará pleno da matéria refulgente que oura e obra nos seus peitos de mulher e eleva as Mulheres de todo o mundo a seres de Paz e de Luta no Coração de Viana.

O silêncio que provoca a sua passagem, será para sempre o do sorriso pleno de palavras essenciais como Amor e Liberdade.

Quando passam, no público há pessoas a quem caem lágrimas, o corpo verga-se a essa indisível beleza. Esquecemo-nos de aplaudir, porque aplaudir encarnaria o gesto fútil num momento em que o corpo é assoberbado pelo sublime.

Passam setecentas mulheres, em silêncio, no séc. XXI. Ostentam séculos de tradição, cultura, rituais de vida, de amor, de trabalho, de morte e lá por baixo, no íntimo calor dos trajes, corpos de mulheres com almas de gigantes e sorrisos de borboleta.

Quando passam, (as pequeninas Minhotas, as adolescentes Minhotas, as adultas Minhotas e as adultas mais velhas) sinto que as amo. O que amo nelas enquanto passam é a sua humanidade, na metáfora de um traje ourado, a identidade e a força de todas as mulheres do Mundo que não tendo ouro possuem as “vísceras” que tudo transmuta: úteros e coração.

Andam com elas pela vida fora procurando a quem e como entregar a potência transmutadora do 5º elemento.

São 18h do dia 18 de agosto de 2022, sou Transmontana, nasci em Valpaços, tenho em mim esse modo atávico da paisagem e do resto, se Trás- os-Montes é o meu ser, Viana hoje, é o abrigo desse ser e a relembrança de uma identidade.

Em Viana, passam setecentas mulheres de cabeça erguida, em sentimentos elevados pela tradição entre o mar e a terra.

Alicerçada neste Desfile da Mordomia, eu junto dois poetas: Pedro Homem de Melo e Miguel Torga, e cito:

 

“ Se o meu sangue não me

engana, como engana

a fantasia (…)”,

em Viana do Castelo, hoje,

“O universal é o local sem muro.”

Angela C.

Artista Visual – Professora Universitária

Foto: Claudia Costanzo

 

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