1.Contextualização
Associado às Festas de Nossa Senhora d’Agonia, o jornal A Aurora do Lima tem vindo há várias décadas promovendo e organizando o tradicional Concurso de Quadras Populares – um certame poético muito aguardado pelos cultores e amantes da poesia que, sob a forma da quadra popular, se esmeram em plasmar de forma poética o que de mais belo a Rainha das Romarias lhes inspira. Com o propósito de apoiar alguns dos nossos leitores sobre a própria natureza da quadra popular e das especificidades técnicas que presidem à sua elaboração, aqui trazemos à sua consideração estas reflexões que esperamos sejam úteis, sobretudo para evitar falhas que impliquem, numa primeira análise, a eliminação dos candidatos.
2. A quadra popular. Origem, definição.
Falando-se de poesia, o termo quadra aplica-se a toda a estrofe ou estância de quatro versos de sete sílabas (redondilha maior) ou de cinco (redondilha menor) ambos sob a designação de arte menor, e as de versos mais longos (nove, dez, onze sílabas), classificados de arte maior. A quadra de versos longos, mais de pendor clássico, aparece sobretudo no soneto e com os poetas da Arcádia Lusitana esteve em moda no século XVIII. A estância de redondilha maior sujeita ao esquema de rima ABCB ou mais raramente ABAB, é desde sempre a forma mais adequada à poesia de carácter popular – a que hoje vulgarmente conhecemos como quadra popular. Uma e outra muito presentes na poesia portuguesa desde as suas origens até à atualidade. Numerosos os poetas que dela se serviram desde os trovadores aos do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, a poetas como Fernando Pessoa, António Correia de Oliveira, António Manuel Couto Viana e tantos outros, sem descurar o alcance a que António Aleixo, no século XX, guindou esta modalidade de expressão poética.
3.Campo de aplicação
A quadra popular é o registo privilegiado da transmissão poética consagrado pelo fado, as canções folclóricas, das desgarradas e em geral dos poemas de transmissão oral como as lendas e romances populares, jogando a seu favor como elementos facilitadores de permanência na memória, os versos curtos e sua capacidade de síntese, a rima, o ritmo, a sonoridade.
4. Elementos específicos
da quadra popular
Centremo-nos agora em aspectos mais práticos da quadra popular a ter em conta na sua elaboração: o verso de sete sílabas, o tal de redondilha maior. Por verso entende-se cada uma das linhas de um poema, rimado ou não. Mas consideram-se elementos constituintes do verso tradicional o número de sílabas, os acentos predominantes e a rima. Só os dois primeiros se consideram essenciais. Na verdade, encontramos belíssimos versos sem rima, os chamados versos soltos ou brancos.
3.1. As sílabas. Sílabas métricas e sílabas gramaticais. Falando-se de número de sílabas, há que distinguir sílaba gramatical (o produto fónico pronunciado de uma só vez formado por um ou vários fonemas), de sílaba métrica, aquela que aqui nos interessa, e que corresponde à forma como são apreciadas pelo ouvido. Assim, por efeitos da audição e do ritmo, estas sílabas estão sujeitas a contração com outra que lhes estão contíguas que fazem com que geralmente o número de silabas métricas dum verso seja inferior ao das sílabas gramaticais.
Vejamos como exemplo estes versos de Guilherme Braga:
Sílabas gramaticais
O /me/ni/no/can/ta/va/a/ mãe/no/lei/to/ 12
A/in/gé/nu/a /fron/te/ re/cli/na/va/, tris/te. 13
Sílabas métricas
O/me/ni/no/can/ta/va a/mãe/no /lei/(to) 10
A in/gé/nua/fron/te/re/cli/na/va/tris (te) 10
Repare-se ainda na forte contracção da 4.º sílaba neste verso de Florbela Espanca:
A / pla/ní / cie é um / bra / si / do e/ tor / tu / ra / (das)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
De onde se conclui a contração silábica como fenómeno frequente na métrica, sobretudo por efeitos da ligação da vogal final de palavra com a que imediatamente se lhe segue e ainda na métrica as sílabas se contarem só até à ultima sílaba tónica, o acento predominante do verso. Ainda a considerar a diferença entre sílabas gramaticais e sílabas métricas, o recurso por vezes utilizado às liberdades poéticas, que permitem fenómenos como a deslocação de acento , ex. ímpio-impio ou supressão de sons vocálicos como em para – pra ou pelo – plo. Chamamos escansão ao acto de decompor um verso nas suas sílabas métricas
3.2. Acentos predominantes. Outro aspecto a dar atenção é à distribuição dos acentos predominantes. São eles que conferem ritmo, musicalidade e cadência aos versos. Além do acento tónico da última palavra do verso, já referido acima, há outros de acordo com o metro ou medida dos versos. Naquele de que nos ocupamos, o da quadra popular, de redondilha maior, tem acento predominante na 7.ª, e na 2.ª, ou 3.ª ou 4.ª . Dou como exemplo estes versos de António Nobre e que extraio de Américo Areal no seu Curso de Português, questões de Gramática e de Latim, Ed. ASA,, 5ª. Ed. p. 288 .
Tu és a pomba serena
Que fugiste do meu lar…
Ai, que tristeza, que pena,
Não poder também voar!
Ó minha pomba serena!
3.3. A rima , outro dos componentes importantes no verso, é a correspondência de sons entre as sílabas finais dos versos. Quando essa correspondência de sons finais a partir da vogal tónica é perfeita, isto é, entre vogais e sons consonânticos, é a chamada rima consoante. Exemplos: batatal-pontal; Iria-alegria; sol-rissol; ordinário-fontanário.
Se a correspondência de sons for imperfeita, isto é, só entre as vogais, diz-se rima toante.
Exemplos: luz- capuz; dentro- lento; templário-contrário.
A rima pode ainda ser classificada de rica, se rimam entre si palavras de diferente categoria gramatical. Exemplos: ordem (nome)-mordem (verbo): ontem (adv.)-apontem (verbo); pavio (nome)-macio (adj.)
Albino Ramalho