Uma consumidora contacta telefonicamente a EDP Comercial a reclamar a remessa de facturas mensais em falta desde inícios de 2022.
Ante uma tal iniciativa, a telefonista ‘investe’ e, sem qualquer ligação com o assunto nem prévio consentimento, ousa apresentar uma proposta de contrato de assistência técnica a acoplar ao de fornecimento.
Confundida, a consumidora passou o telefone ao marido e a proposta surge-lhe ao ouvido como uma forma de, perante os melhores preços, se evitar a sua “fuga” para a concorrência ou para o Serviço Universal: contrato de assistência técnica com fidelização por um ano, com um desconto de 6% no consumo e na taxa de potência, a um preço de 7,90 /mês.
No termo da oferta, o marido pediu naturalmente a remessa das exactas condições da proposta para uma simulação.
Peremptória, a telefonista recusou a remessa, já que não era procedimento da empresa fazê-lo; que se o quisesse, fosse (ainda por cima…) ao portal da empresa para de tais condições se inteirar.
O consumidor ripostou de forma serena, argumentando que para a celebração do contrato sempre teria de lhe remeter – e com a antecedência devida, dado tratar-se de um contrato de adesão – cabal informação a fim de ajuizar da conveniência ou não em contratar e, ademais, para efectuar uma simulação ante o histórico dos seus consumos a fim de estimar da vantagem ou não em aderir à oferta que lhe era assim feita de supetão. Que ninguém fica obrigado perante um simples telefonema. Ao que a telefonista obtemperou que estava muito enganado, já que se aceitasse a oferta, a gravação do telefonema que decorria (mesmo sem prévio consentimento) seria bastante para que o contrato se considerasse celebrado.
O consumidor, porque dentro da matéria, ainda pretendeu argumentar, mas a forma desabrida, deseducada, como a colaboradora da EDP Comercial se lhe dirigiu, deixou-o atónito e sem reacção. E passou o telefone à mulher.
Signifique-se que, em nosso entender, constitui prática desleal o aproveitamento de tais oportunidades para enredar o consumidor em qualquer negociação, quer pela sua normal impreparação como pela surpresa a reforçar fragilidades não ignoradas.
Não será, pois, lícito às empresas “pendurarem-se” nas chamadas suportadas pelos consumidores…
Os contratos por telefone estão disciplinados por lei – e duas hipóteses, com soluções distintas, se perfilam: ou a iniciativa do telefonema parte da empresa; ou é ao consumidor que se fica a dever o contacto.
Sempre que, como no caso, a empresa se aproveita de um telefonema feito com outro propósito pelo consumidor, é como se o contacto tivesse partido da própria empresa.
E, nesses casos, “o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento por escrito ao fornecedor…”.
Por conseguinte, o simples telefonema, ainda que dele haja um qualquer registo, um traço, não vincula, não obriga.
Aliás, nem sequer se chega a formar o contrato: o que há é um “NADA JURÍDICO”, ou seja, não há NADA, rigorosamente NADA!
Mas mesmo após o consentimento expresso do consumidor, perante as condições negociais, em que já há um contrato válido, o negócio jurídico não será eficaz enquanto não decorrerem 14 dias consecutivos sem que o consumidor use do direito de ponderação ou reflexão para dar o dito por não dito (para se retractar), se o entender.
E se do clausulado do contrato, que lhe tem de ser presente na íntegra, não constar, com efeito, o direito de retractação, e não for acompanhado do respectivo formulário, o consumidor disporá, não de 14 dias, mas de 12 meses para dar o dito por não dito: 12 meses que acrescem aos 14 dias. Sem quaisquer consequências negativas para si. E como forma de sancionar a empresa por não cumprir a lei.
O que se estranha é que – para além da ausência de cortesia, de educação, como no caso, – empresas como a EDP Comercial não formem o seu pessoal, escamoteiem os direitos dos consumidores e atentem clamorosamente contra quem lhes dá o pão.
N.R.: O autor não acompanha o novo acordo ortográfico.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal