Efebos, gerontes e eunucos

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manuel ribeiro

Épocas houve, na história da Igreja, em que os conventos ou mosteiros, de monges ou monjas, não foram, por vezes, casas de “bons costumes”(sobretudo os masculinos), como consequência da natureza humana, mas também porque a intransigência era tal que o monaquismo subiu a fasquia da “perfeição” e das suas severas regras para níveis extremos. Nem as rezas constantes, nos escuros silêncios das madrugadas, lhes valiam, não afastando para longe o Belzebu tentador. Além do mais, estas devotíssimas almas, como vimos em crónicas anteriores, não primavam pelo equilíbrio e pela comum sensatez. Achavam-se no cume da “perfeição” (ou em adiantado caminho para ela), esquecendo que um comportamento de afastamento social ou de absoluta e voluntária solidão era uma atitude tresloucada ou, como agora se diz em psicologia e psiquiatria, uma fobia social ou sociopatia (até mesmo, psicopatia). Do mesmo modo, o prazer do próprio sofrimento ou dor tem a classificação psicológica de masoquismo. E, avançando um pouco mais, também não é de grande saúde mental quem endeusa – repito, endeusa – a situação de virgindade, própria de impúberes donzelas ou mancebos, pois isso tem o cheiro azedo de taras pedófilas. Enfim: muitos deles sofriam de fobia sexual ou ginofobia.

Não se põe em causa a escolha de cada um ou uma, desde que não interfira com a liberdade de outrem. Cada um vive como quer e se as suas escolhas não prejudicam o bem comum, há que respeitar. E durante a vida dos contemporâneos, naqueles tempos bem curta (em média de duração), não era visível nada de estranho naqueles sombrios casarões. Com o tempo, porém, os frades, tendo por regra uma vida frugal e sem legítimos herdeiros, aumentavam, ano após ano, as suas propriedades rurais (sobretudo estas, mas também as urbanas). Com as heranças de gente rica, a quem lhe era prometida a salvação eterna ou um honrado lugar no paraíso celestial, como pagamento da generosa oferta, passados décadas e séculos essa riqueza tornou-se chocante e socialmente injusta. Tanto mais que o direito canónico passou a proibir a venda ou doação dos bens da Igreja. Posto de lado o “prazer carnal”, na expressão conventual, a compensação dessa falha passou para o prazer do enriquecimento e luxúria. Eram todos os fradinhos? De maneira alguma. Em sentido contrário apareceu um tal Francisco, que haveria de fundar, em Assis, Itália, uma organização religiosa, a chamada ordem dos Franciscanos. Francisco era o herdeiro de uma família muito rica ligada ao comércio de tecidos, e, após uma juventude normal, mas esbanjadora, começou a pregar o Evangelho dos Bem-aventurados, sem possuir qualquer grau da hierarquia. Nem mesmo ordens menores. O papa Honório III aprovou a Ordem dos Franciscanos, em 1223, apenas três anos antes da morte santa do seu fundador, Francisco de Assis.

É sabido que as Ordens Religiosas passaram por várias vicissitudes no mundo cristão, designadamente em Portugal. Para além dos constantes atritos entre reis, nobres e homens ricos, de um lado, e os Abades, Bispos e Papas, do outro lado, há que sublinhar três acontecimentos históricos, em Portugal: a expulsão dos Jesuítas (Companhia de Jesus), pelo Marquês de Pombal (ano de 1759, reinado de D. José); a extinção de todas as ordens religiosas masculinas, no liberalismo e fim da Guerra Civil, por decreto do então Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar (passou a ser conhecido pelo Mata-Frades), com assinatura do liberal Rei D. Pedro IV, em Maio de 1834, que incluía a usurpação pelo Estado de todas as propriedades e bens das ordens religiosas regulares, que posteriormente foram vendidos a particulares endinheirados; e várias medidas tomadas pelo regime republicano, imediatamente  a seguir à Revolução do 5 de Outubro de 1910, ainda no Governo Provisório chefiado por Teófilo Braga, sendo Ministro da Justiça o celebérrimo Afonso Costa. As medidas visavam reduzir a influência da Igreja Católica na sociedade portuguesa. E conseguiram fazê-lo em grande parte.

No entanto, o regime anticlerical da primeira República, que durou apenas 16 anos, deu lugar ao Estado Novo e a Salazar. Os ventos começaram a soprar novamente a favor do clericalismo, e várias ordens religiosas retornaram a Portugal, mas outras viram, com mágoa, a destruição, por desleixo dos seus novos donos ou herdeiros laicos, dos mosteiros e, desertificadas, as suas antigas propriedades rurais. Jamais sairá da minha memória, de menino e moço, a ruína total do Mosteiro de Rendufe, Amares, e a quase destruição do Mosteiro de Tibães (casa-mãe dos Beneditinos, também proprietários de Rendufe).

Mas, em meados do século XX, vinda de Espanha, aparece uma congregação religiosa, baseada nos mesmos princípios da perfeição, da frugalidade e da castidade, ou seja, do mesmo fanatismo antigo: o Opus Dei. Com algumas particularidades, passou a admitir casais, ou homens ou mulheres casadas, para os quais impôs a obrigação de se ajoelharem sobre pequenos sacos de feijões, no fim de cada ato sexual…

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