Em busca do tempo perdido

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Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, os países costeiros têm o poder de declarar uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de espaço maritimo para além das suas águas territoriais, na qual têm direito, nomeadamente exclusivos, na utilização de recursos biológicos ou minerais, bem como responsabilidade na respetiva gestão ambiental.

É público que a ZEE portuguesa é a 3.ª maior da União Europeia e que 11 % desta pertence a Portugal. Com 1.727.408 km2 de área, a atual ZEE portuguesa é a 5.ª maior da Europa e 20.ª maior do mundo. Em maio de 2009, Portugal peticionou o alargamento da sua zona económica exclusiva, junto da ONU, de forma a poder aumentar mais 2,15 milhões de km² da plataforma continental adjacente, podendo assim vir a deter uma ZEE na ordem de mais de 3.877.408 km2, muito perto dos 4 milhões de km2, conforme a figura anexa.

No final do século XX previa-se que a ZEE para o nosso país fosse alargada em 2018, passando para os cerca de 4 milhões de km2. Decorria o ano de 1999 e, em conversa com o então Vice-Reitor da Universidade do Minho, Prof. Carlos Bernardo, sugeriu ele que, estando Viana próxima do mar, faria todo o sentido a cidade ter o Instituto do Mar ligado ao Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Como vianense ligado à academia portuguesa, pois nessa altura era docente da Universidade do Minho, achei a ideia excelente. Dei conhecimento dela ao então Governador Civil de Viana do Castelo, saudoso Dr. Oliveira e Silva, que a acolheu de braços abertos, tendo, decorrido pouco tempo, promovido uma reunião na sede do então Governo Civil. Estiveram  presentes, além de outras personalidades, o Senhor Governador Civil, o Prof. Carlos Bernardo e  eu próprio, Gilberto Santos. Para além destes, esteve um representante do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), de quem já não me lembro, e ainda José Maria Costa, então Vereador da Camara Municipal de Viana do Castelo, em representação da mesma. Todos gostaram da ideia e prometeram dar-lhe seguimento, mas do Instituto do Mar ligado ao IPVC, depois daquela reunião, nunca mais se ouviu palavra!!! Nunca nós soubemos quem foi o coveiro da ideia.

Vem isto a propósito do 36º aniversário do IPVC, instituição de mérito que se saúda e a quem se deseja os maiores sucessos, tendo José Maria Costa, na condição de Secretário de Estado do Mar, participado em cerimónia comemorativa, na qual desafia,  e bem,  em maio de 2022, as instituições do ensino superior “para atraírem mais jovens para a economia do mar, valorizando as profissões emergentes”. É um desafio, de entre muitos, que Portugal tem pela frente, e José Maria Costa acredita que as empresas  e as instituições de ensino superior têm aqui “um potencial de crescimento e atração internacional”. Tal como ele, também eu acredito que sim, e fiz constar essas ideias no livro que publiquei  “engenharia pt”, em 2014.

Mas o que seria hoje a economia do mar em Portugal, e em Viana do Castelo em particular se, na reunião em 1999, no então Governo Civil de Viana,  onde esteve presente o mesmo José Maria Costa, se o IPVC tivesse avançado para a implementação do Instituto do Mar? Deixo apenas alguns números, que até hoje, demonstram uma governação desastrosa dos assuntos do mar, depois de muitos armadores receberen subsídios  para abater os barcos!!!: 1) “Pensando  no setor das pescas, Portugal importa atualmente 75% do pescado que consome” (in Agro Vida, 6 de maio de 2022); 2) “País do mar exporta 98% dos licenciados naúticos (Manchete do Diário de Noticias de 17 de jan.2017); 3)“A construção de uma economia maritima próspera ao serviço da qualidade de vida e do bem estar social e respeitando o ambiente tem de ser suportada pelos seguintes pilares estratégicos: a) o conhecimento; b) o planeamento e o ordenamento espaciais; a promoção e a defesa ativas dos interesses nacionais” (João Mira Gomes,  Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar – Relatório sobre Estratégia Nacional para o mar – março 2007). 

O conhecimento é muito importante, mas em si mesmo, não tem valor. O que tem valor é o que cada um faz com o conhecimento que tem. Portanto, é um imperativo nacional a valorização económica do conhecimento. E no relatório sobre estratégia do mar, como em tantos outros relatórios sobre estratégia de algo, ou planos estratégicos de alguma coisa, como o Plano estratégico do Alto Minho 2020 (apresentado em 2014)  é retórica, retórica, retórica… e mais retórica para terminar.  Ou como diria Gerret Komrij, um escritor holandês que amou Portugal e está sepultado em Vila Pouca da Beira “existem dois portugais: o oficial e o autêntico. O Portugal das aparências e o Portugal autêntico não têm, entre si, qualquer ponto de contacto, sendo todavia um e o mesmo”.

Estando os assuntos do mar na pasta da economia, com dois engenheiros, acredito que se eles exercerem as suas funções, na base da formação que receberam, teremos muitos problemas resolvidos. 

Jack Lang, reconhecido especialista em empreenderorismo e desenvolvimento, afirma no seu manual “High-Tech Entrepreneurs handbook”, publicado em 2001 pela editora Prentice-Hall de New York,  que “se estima  que são necessários trinta anos para que uma região atinja um determinado grau de maturidade”, nomeadamente no que se refere à criação de ecossistemas de apoio com clientes, investidores, média, especialistas de relações públicas e de propriedade intelectual e pessoas com experiência nas mais diferesntes áreas. Esses Ecosistemas são desenvolvidos durante décadas.

Se a ideia do prof. Carlos Bernardo referente ao Instituto do Mar em 1999 tivesse seguimento, hoje estariamos com 23 anos de experiência, ou seja, muito próximo da maturidade. Assim,  e tendo em conta as palavras do actual  Secretário de Estado do Mar, que merecem todo o apoio, aqui fica o desafio ao IPVC, para que crie o Instituto do Mar e, dessa forma, possa atrair jovens para a Economia do Mar. Entretanto, e dada a inércia de certas pessoas que ocuparam lugares chave de decisão, referente, de entre outros, a assuntos do mar, Portugal, o IPVC e José Maria Costa terão de correr em busca do tempo perdido. E tendo em conta as palavras escritas de Jack Lang, se não se perder mais tempo, talvez lá para 2050 tenhamos em Viana do Castelo um Instituto do Mar maduro a atrair muitos jovens para a economia do mar, tal como agora profetiza, e bem, José Maria Costa.

Gilberto Santos

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