Há dias em que até passear se torna pesadelo, mesmo que o sol seja convidativo para uma passeata pelos recantos da nossa bela cidade. Nem sempre há disposição para tal, seja por razões de saúde ou por momentos de mau humor, nos quais a vida é sempre fértil. Joaquim Terroso tinha regressado à cidade que adora, onde tem raízes, porque aqui nasceu. Cada vez gosto menos da capital, disse-nos. E agora que começo a ficar um pouco gasto, mais vontade tenho de regressar à nossa Viana. Agora, o meu poiso definitivo, vai ser mesmo a Princesa do Lima. A minha mulher já está convencida e os filhos, pelo menos, visitar-me-ão de vez em quando. Compreendo-os, já que a sua vida profissional aí se desenvolve. Pode ser que o constantino, porque enamorado da Joana, a Viana se agarre. Era bom, era bom…
Caminhávamos em passo lento. Os exames a que Joaquim foi sujeito foram inconclusivos e isso não lhe dava paz. Sabem, a idade não perdoa, nunca a iludiremos. Ela é que nos ilude a nós. Quando pensamos que estamos bem, de um dia para o outro, a morte ceifa-nos. – Esqueça a morte, caro Joaquim. – Claro que faço por não me lembrar dela, mas quando não estou nos meus melhores dias, lembro-me bem que já sou mais nonagenário do que octogenário.
– Olhem, deixemos a doença. Eu estou bem, eu estou bem… falem-me antes deste jardim magnífico. Ainda cheguei a olhar para a revista Lusa para ver o que dizia a respeito da construção deste espaço frondoso, que tem a companhia deste sereno e límpido Lima. Nos números 32 a 40, 1918, tem um belo artigo de José Caldas, sobre a construção do Cais de São Bento, que haveria de muito contribuir para a criação desta área de deleite, mas cansei-me e desisti.
– Vamos a isso Caro Joaquim. Sabe, a história é longa e, por isso, o melhor é ficarmos por alguns pormenores. Aprofundaremos depois o assunto. Terroso disse que sim com a cabeça.
Sabe, com o estrangulamento do rio e com o espaço que se lhe foi roubando ao longo de centenas de anos, foi possível, por fases, construir o Jardim Público que hoje temos. Nos números 18, 19 e 20 dos Cadernos Vianenses (1995), foi publicado um excelente trabalho de Maria Emília Sena de Vasconcelos, com o título “Um passeio na beira-rio”, que, depois de compilado, em 1997, deu direito a uma boa e elucidativa separata.
Conquistado o espaço ao rio, este ainda se manteve em terra batida até ao ano de 1881, data em que ficou aprovada em reunião camarária a construção de um primeiro jardim no local, onde habitualmente se passeava a “gente fina” da cidade. O jardim que veio a construir-se ocupava a área que vai do enfiamento da atual Rua Gago Coutinho até ao alinhamento com o Largo das Almas. Era gradeado, munido de bancos, boa iluminação, coreto de música e um espelho de água. Era vedado e tinha dois monumentais portões a nascente e poente e ainda, lateralmente, um outro de serviço, virado para a cidade.
O espaço que ia para além deste jardim gradeado, denominado de “Marrocos” era considerado impróprio para passeio, particularmente pelas meninas da classe média. Quem o escreveu foi Amadeu Costa no seu trabalho “Coisas e loisas do Largo das Almas”, publicado nos Cadernos Vianenses, tomo VI, 1982. No entanto, este espaço para além de afidalgado, ainda antes da demolição das grades e consequente abertura a todos os vianenses, já se apresentava com algum arranjo.
Depois de 1911, o jardim foi quase coberto de palmeiras. Pois, é precisamente em 1928 que toma conta do Município o Capitão Gaspar Castro, aí permanecendo até 1933, procedendo a um vasto conjunto de obras na cidade. Gaspar Castro e a sua vereação entenderam que o jardim deveria ser renovado; e a renovação avançou, sendo a obra inaugurada em 1930, sem que o capitão deixasse de ser alvo de crítica feroz dos vianenses. Ficou assim o jardim completo, com cerca de meio quilómetro de comprimento. Depois, ao longo do tempo, pequenas alterações se lhe foram fazendo, mas, em 1953, a configuração era a que hoje temos.
No ano 2000, com Defensor Moura como Presidente, o jardim foi submetido a uma das mais bem conseguidas intervenções, principalmente no domínio da recuperação do piso, revestido com betuminoso, assim proporcionando uma fruição do espaço que noutros tempos não era possível, particularmente por causa da nortada e do pó que esta originava. A critica também nesta altura se fez, mas este espaço, tal como está, mostra-nos hoje que a intervenção a que foi sujeito resultou bem.
Notamos que Joaquim Terroso fez um grande esforço para nos ouvir. Sentado no banco do jardim, de olhos semicerrados acenava com a cabeça, dando a entender que nos ouvia com agrado. Mas não nos convenceu. Tínhamos mesmo que terminar.