Esta liberdade que amo

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Gonçalo Fagundes Meira

Também não escapei à tropa. De nada me valeu o “jogo do gato e do rato” em que me envolvi ao longo de meses; a guerra colonial aconteceu mesmo. Podia ter optado pela emigração, mas não me seduzia. Em contexto de guerra, em que não estive envolvido, teimei em inverter circunstâncias e passar ao lado de um conflito sabidamente perdido. Desta forma, em determinado tempo, estabeleci uma conjuntura para me instalar na capital por razoável período. Do isolamento passei à existência.

Em Luanda foi possível “apalpar” o sentimento da vida colonial, menos sentida do que se propalava, já que o regime incutia de forma ativa a ação psicossocial junto das populações nativas. Habitualmente, alimentava-me num pequeno restaurante semiclandestino, de bom serviço e baixo preço. Com o dono estabeleci uma relação cordial, de vivências e confidências. Um dia disse-me: “sabe, vou aplicar todas as minhas economias em investimentos nesta grandiosa cidade. Que acha”? “Acho que não o deve fazer”, respondi-lhe. O homem, intrigado, perguntou-me por quê. Respondi-lhe que o desfecho das guerras, particularmente as do nosso tipo, eram uma incógnita.

Assim terminou uma relação empática de semanas. O amigo de circunstância, na sua ilusão de enriquecimento fácil, deixou de me segredar projetos. Continuou a cumprimentar-me, mas de vénia simples. Decorridos quase dois meses, de regresso ao isolamento, sem rancores, fiz a despedida. Em diálogo frio, disse-me que a tropa bem podia sair das colónias: armassem as populações brancas e tudo se resolveria. E, como recado, adiantou que não me “armasse” em conselheiro. “Isto é nosso, sabe? Demos tudo por isto”. Por aqui ficamos…

Era esta a mentalidade que prevalecia naquele tempo. Estávamos na sociedade do preto e branco, como costumo escrever. Cá e lá, a palavra de ordem era “Salazar, e nada de contestar”. Desta forma se fez uma guerra para defender o património de meia dúzia de famílias que dominavam um país a consumir-se em miséria. Já não chegava a sociedade atrasada que éramos. Para cúmulo, ainda tínhamos que ser envolvidos num conflito sem sentido.

Então, agora, não querem que se lembre o dia da liberdade?! Se alguns não querem sessões na casa da democracia, haverá outras formas de o fazer, mas lembrar o acontecimento é impositivo. Quem viveu o tempo do desencanto e do desespero, sem liberdade e a suportar o arbítrio, quer lembrar a data em que se lhe pôs fim. Venha daí um cravo vermelho para levantar bem alto e dizer: “regresso ao passado jamais”.

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