Está na hora de acordar

Natacha Cabral
Natacha Cabral

“Você dá muito pouco quando apenas oferece das suas posses. Só quando se dá por completo, é que você realmente dá.

Caros leitores, enquanto lia este excerto de poesia maravilhosa que pode ser encontrada no livro “O Profeta”, escrito no ano de 1923, levou-me a pensar que já em anos distantes se refletia sobre a essência da vida e aquilo que realmente nos valoriza e nos engrandece enquanto seres pensantes e sensíveis.

É tão fácil sermos enganados pelos enredos da sociedade, afinal, muita coisa nos faz crer que tudo na nossa vida gira à volta do dinheiro e da riqueza material, daí que não me admire que grande parte das pessoas persigam o ouro sem fim à vista.

E eis que começa a construção do menu perfeito das crenças imperfeitas: 1) estudar num curso que me dê estabilidade financeira no futuro; 2) juntar muito dinheiro e trabalhar o maior número de horas possíveis; 3) viver para o dinheiro e pôr tudo o resto em espera, até porque tenho muito tempo no futuro para o gastar.

Mas, onde vive a estabilidade? Porquê seguir um curso e exercer um trabalho que não gosto assim tanto? Porquê trabalhar 10 horas por dia e odiar todos os minutos onde me encontro? Porquê amealhar se não sei partilhar ou gozar? E finalmente, quem nos disse que temos tempo amanhã?

O único verdadeiro ouro existente é impossível de perseguir, que é o tempo. E esse, uma vez perdido, não tem como ser recuperado, o que, felizmente, já não acontece com o dinheiro. 

Curiosamente, decidi fazer uma ponte sobre este escrito com o tradicional baralho de cartas, não só associado aos naipes, mas àquilo que estes representam no mundo espiritual. 

Se bem conhecem estes baralhos, existem quatro naipes: ouros, que representam a abundância, paus, que representam o fogo e a paixão, espadas, que se referem ao intelecto e ao pensamento, e finalmente as copas, que se referem ao amor.

Escusado será dizer que, para que uma vida funcione em harmonia, é fundamental que consigamos encaixar tudo nas devidas medidas. Não só de inteligência se vive, assim como de riquezas ou paixões passageiras. Curiosamente, o naipe inerente a tudo são as copas e o que agrega tudo, é do 10 de ouros. Mas a questão é, porquê as copas?

É muito simples. Porque é no amor que somos, que vivemos, que evoluímos e nos encontramos.

Vamos voltar às questões em cima citadas. Se compreendêssemos o amor incondicional, saberíamos que a noção de estabilidade é fictícia, pois nada nos garante que o nosso muro não vá ruir amanhã. Se ouvíssemos os desejos do nosso coração, não optávamos por seguir um curso que pouco nos diz, apenas e só porque existe um interesse disfarçado, assim como não passávamos grande parte do nosso tempo de vida a exercer algo que não gostamos ou nos deixa frustrados. E finalmente, se conhecêssemos o verdadeiro amor, saberíamos o conceito de partilhar e receber e confiávamos no universo, pois ao darmos o melhor de nós nas nossas atividades mundanas, fossem elas muito ou pouco sofisticadas, descansávamos por saber que ele nos retorna, teríamos outro sorriso na cara e ainda cooperávamos com os outros e com o mundo de outra forma. Deixaríamos a inveja, a ganância, a mentira e o medo de lado, pois onde mora o verdadeiro amor não há espaço nem tempo para tais práticas e sentimentos. 

Quer-me parecer que crescemos com as prioridades trocadas. Muitos continuam a perseguir o ouro ao invés do amor, acreditando tontamente que terão tempo no futuro para viver uma bonita história romântica, ou seguir os sonhos de que desistiu outrora, ou investir na ideia que mandou para debaixo do tapete vezes sem conta. Ou pior, ser alguém que nunca foi, ou que nunca poderá ser, pois ainda que o dinheiro possa comprar muita coisa, não compra um espírito livre, sincero, tenaz, corajoso, bondoso e altruísta.

Tudo isto para vos dizer, que está na hora de acordar e voltarmos à sabedoria primordial. Não é preciso muito para existirmos, mas é preciso amor e amar, com esperança, com profundidade e verdade. 

Não é por acaso que leio muitos testemunhos de pessoas bem-sucedidas em idades já avançadas, que relatam todas a mesma coisa quando questionadas sobre o que fariam de diferente: o arrependimento de não saberem usar bem o tempo e de não terem construído relações de valor, pelo que terminam as suas vidas sós e sem sentido de pertença algum.

Meus caros, deixemo-nos de viver na superficialidade, pois é esta que corrói muitas almas por dentro e separa muitos casais bem-intencionados. 

Está na hora de mergulhar para dentro, despirmos as nossas tretas e conhecermos o verdadeiro eu, pois só o conhecimento levará à aceitação, e só a aceitação levará à mudança, aquela que todos nós nos queixamos e tanto desejamos por aí.

A vida nunca foi, nem nunca será, sobre o ouro. E temo por aqueles que continuam a insistir, pobremente, na mesma tecla…

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