Estadistas precisam-se

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A. Lobo de Carvalho

Seria uma atitude consciente se os cidadãos-eleitores escolhessem os mais capacitados candidatos para os representarem nos diversos órgãos de poder com vista à adopção de políticas que respeitem o interesse nacional, seja no plano interno, seja nos palcos internacionais, onde o confronto ideológico é, normalmente, vivido com intensidade. Contudo, tal não verifica, e, quando se diz o contrário, é areia atirada aos olhos. Portugal não tem sido um bom exemplo neste concreto aspecto porque, em vez da competência, têm tido primazia os interesses, o amiguismo e o compadrio, com muitos casos ocorridos, e outros a fervilhar, que arrastam o país para níveis de suspeição indesejáveis. Os acontecimentos negativos que se vão somando a cada dia que passa mostram bem esta realidade, que, felizmente, uma imprensa livre vai desmascarando. 

Já o nosso Eça de Queiroz escrevia, no seu tempo, que, em Portugal, “não há ciência de governar, nem ciência de organizar a oposição, faltando igualmente a aptidão, o engenho, o bom-senso e a moralidade nestes dois factos que constituem o movimento político das nações”. E acrescentava que “a política é uma arma em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias, onde dominam as paixões e se luta pela avidez do ganho e pelo gozo da vaidade”. Para ele, “os políticos e as fraldas deviam ser mudados frequentemente pelas mesmas razões”.

Palavras oportunas deste notável escritor, porque tais expressões adaptam-se como uma luva aos últimos governos do Partido Socialista, que têm sido um exemplo ímpar de broncas, suspeições e incompetência por parte de alguns dos seus membros, desde logo tendo em lugar de relevo um ex-Primeiro Ministro, que já esteve preso e que tudo aposta para que o processo judicial em que está envolvido prescreva, de modo a evitar o julgamento e uma mais que provável condenação. Mas não só esta figura, porque, como é sabido, outros ex-governantes e autarcas estão a contas com a Justiça.

O que se observa nestes governos cor da rosa é que não prevalece o conceito de estadista, mas sim um conceito de amiguismo, em ambiente de alojamento íntimo, onde as nomeações se fazem mais pelo calor dos interesses e menos pela transparência e pela competência. As demissões ocorridas neste governo, em cerca de um ano no poder, falam por si e evidenciam a dimensão da ausência de maturidade, impreparação e de sentido de Estado. E tenho dúvidas que os remendos aplicados constituam o antídoto desejável, mas cá estaremos para ver, sendo que a preocupação maior é o mal causado ao país, aos cidadãos e às instituições. 

A corrupção, que constitui o cancro da democracia, invadiu, praticamente, todos os pilares do nosso sistema político, na prossecução de uma voracidade de poder, do dinheiro e do gozo da vida, como afirma Eça. Perdeu-se o sentido da honra, mente-se descaradamente, escondem-se passados duvidosos e privilegiam-se os interesses. A ética evaporou-se. Instalou-se o sentimento de que o regime democrático é a solução para tudo e o que importa é aproveitar o momento, porque pode não voltar a repetir-se. Dos que decidem do nosso destino colectivo deveriam emanar os bons exemplos, o que, lamentavelmente, se vai tornando raro.

E como há-de exigir-se moralidade aos órgãos e instituições nacionais e locais, se os maus exemplos vêm de cima? Aplica-se aqui, à letra, uma intervenção que D. Frei Bartolomeu dos Mártires produziu no concílio de Trento, em 1561, quando, dirigindo-se aos cardeais, verberou:- “Vossas Senhorias são a fonte donde todos os prelados bebem; necessário é, portanto, que a água seja limpa e pura. Os ilustríssimos e reverendíssimos cardeais precisam de uma ilustríssima e reverendíssima reforma.” Adaptando estas palavras à nossa realidade, também podemos dizer que este governo, caso não inverta a sua conduta de casos negativos, precisa de ser reformado, porque, assumindo-se como a fonte donde os cidadãos bebem, a água, porém, não tem jorrado limpa e pura, mas antes meio turva, provocando algumas infecções, ou seja, os exemplos conhecidos de telhados de vidro escondidos e a falta de seriedade retiram-lhe credibilidade e operacionalidade na gestão política. 

O nosso país, outrora um grande império, encolheu, em virtude das independências ocorridas nos territórios africanos, e é hoje um pequeno rectângulo ibérico com umas ilhas atlânticas adjacentes, e por isso com importante interesse geoestratégico, que aderiu à OTAN, fazendo parte desta organização. Mas não passa de um país de mão estendida que vive dependente das decisões de Bruxelas, onde se vai alimentando para se modernizar. Porém, em vez de assumir a realidade da sua pobreza, dá-se ares de importante e porta-se como se fosse rico, oferecendo carros de combate, helicópteros e outro material de guerra à Ucrânia, para matar, quando o que devia fazer era colaborar intensamente no âmbito diplomático à procura da paz e investir em ajuda humanitária para salvar vidas.

O que me parece é que os governantes deste país, assim como os directórios de Bruxelas (UE e OTAN) libertaram, nas palavras de Freud, todas as pulsões negativas de homens das cavernas para resolverem os problemas aos tiros. Só que não é esse o caminho e o que fazem agora nunca esteve tão próximo de uma guerra nuclear, em que a Europa poderá ser reduzida a pó. Não me revejo, assim, neste governo e muito especialmente nos titulares das pastas dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, porque não evidenciam especiais capacidades e sensibilidade política para gerirem estes dois ministérios, onde os interesses do país e dos portugueses não estão a ser respeitados. São duas figuras amorfas, deslumbradas com a importância dos cargos que ocupam, mas sem o perfil político requerido nestes tempos difíceis.

Mas como a água que vem de cima é frequentemente salobra, penso que, para evitar uma endemia, caberá o sr. Presidente da República higienizar o ambiente político perigoso em que o país mergulhou e com tendência a piorar. Na verdade, estadistas precisam-se com urgência!

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