No espaço que me é concedido neste jornal venho abordando várias temáticas que me parecem suscitar algum interesse para os leitores, caracterizadas, normalmente, por um espírito crítico que decorre do meu inconformismo perante aquilo que me parece desajustado, abusivo e lesivo do interesse dos cidadãos.
Uma situação que me levanta grandes interrogações tem a ver com os deputados da nação, ou seja, com a sua retribuição mensal. Não que esteja curioso em saber quanto auferem, porque na verdade não me interessa, de todo, mas tão-somente pela existência de um suplemento do qual só me apercebi aquando de um problema recente ocorrido com a ausência de alguns deputados na Assembleia da República (AR), que foram contabilizados como presentes.
É sabido que os deputados da nação têm como local de trabalho a Assembleia da República, seja nos seus gabinetes, seja nos grupos parlamentares, nas comissões ou nos Plenários. É nesse local, nessa casa-mãe da democracia que os deputados, penso eu, exercem as suas funções e para onde é suposto que se desloquem, quotidianamente, a partir das suas residências. Tal como acontece com outros trabalhadores, que saem de casa e vão para os seus empregos. Poderão, ocasionalmente, terem de se deslocar para outros destinos, mas o local de trabalho é a AR e disto parece não haver dúvidas.
Sucede que – e fiquei-o a saber há pouco – cada deputado, para participar no Plenário da AR, onde é obrigado a estar por se realizar no seu local de trabalho, recebe a chamada “senha de presença”, no valor de cerca de sessenta e cinco euros, o que, não sendo uma quantia exorbitante, não deixa de ter um significado económico para o Estado, na medida em que, se multiplicarmos essa quantia por todas as sessões plenárias num ano, já assume um valor interessante que resolveria alguns problemas graves dos mais necessitados.
Isto significa que os deputados são incompreensivelmente privilegiados, na medida em que são os únicos que, para além das muitas outras regalias e subsídios que auferem, ainda são pagos para estarem presentes no seu local de trabalho natural, que é o palácio da Assembleia da República.
Pergunto quem é que, neste país, tem tal regalia! A ser como de facto é, esta situação assume-se como absolutamente indecente, provocatória e repulsiva, estranhando-se que não haja poderes soberanos que imponham disciplina e contenção nos gastos dos dinheiros públicos, ou seja, dos impostos de todos nós. Se já usufruem de grandes facilidades nos transportes públicos, subsídios de deslocação por mudança de residência, subsídio de refeição, restaurante próprio na AR, subsídio de renda de casa, etc, etc, não se evidenciam razões éticas e económicas para mais este subsídio, pelo que me parece perfeitamente abusivo e discriminatório.
Muito me admira que alguns partidos, que tanto gostam de apregoar aos quatro ventos uma moralidade que afinal não lhes é intrínseca, não reajam, mas já não me espanta que outros não tomem posição, porque gostam muito de viver á sombra do Estado e comer quanto mais melhor na sua manjedoura!…
De falsos moralismos andamos nós cheios e lamento profundamente que tenhamos uma classe política maioritariamente míope. Os deputados, sendo os que estão na primeira linha da política, porque dão corpo ao poder legislativo, deveriam ser referenciais da ética e do bom-senso. Todavia não se assumem como tal, salvo algumas boas excepções, havendo até exemplos de golpismos baixos para aumentarem o seu rendimento, como é o caso da alteração dos domicílios fiscais a que a imprensa tem aludido. Depois, os partidos que se queixem da abstenção nos actos eleitorais e do crescimento dos independentes!… Para tudo há razões explicativas de sobra. Basta meditar!
Tem inteira razão Guilherme de Oliveira Martins, antigo presidente do Tribunal de Contas, quando, num artigo publicado no Diário de Notícias, de 24 de Agosto de 2016, afirmava:-“Não podemos cair na tentação de dar espaço, na política, aos medíocres. Se nós não nos responsabilizarmos em pôr os melhores na vida política, naturalmente estaremos a pôr em causa a própria democracia”.