Estado Português: O «Pai» desnaturado

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Rui Maia

Entenda-se por “desnaturado” tudo que não é conforme os sentimentos naturais, o que é desumano, o que é cruel. Assim tem sido o Estado Português em relação aos seus filhos tombados na Guerra do Ultramar – Angola, Guiné-Bissau e Moçambique – entre 1961 e a dita Revolução Democrática – 25 de abril de 1974.

As histórias contadas da fatídica Guerra sempre foram tema de conversa em família, falava-se dos que regressaram, dos que vieram estropiados, dos que vieram em charola, muitos deles empacotados para a última morada, falava-se da agonia das famílias em espera, enfim, de uma dor intensa e incessante que as mães (sobretudo) carregavam na alma, como a nossa querida avó Berta Rodrigues Pinto, que todos os dias enviava um “aerograma” ao nosso pai – Alberto Maia – mobilizado para Moçambique, na Serra do Mapé, era Cabo Condutor da Companhia de Caçadores 2321 do Batalhão de Caçadores 2837 – “Os Pioneiros da Serra do Mapé”.

O que revolta e inquieta no meio de tudo isto, são os que nunca mais vieram, os que o “Estado Pai” lá deixou, abandonados em cemitérios onde a memória é coisa fútil, longe das suas famílias, que passados 45 anos dão vida à dor e ao pranto, de tantas lágrimas que pais, mães, irmãos, avós, tios, e outros familiares e amigos choraram e choram (os ainda vivos) por nunca lhes ter sido permitido fazer o luto, no mais singelo ato de dignidade humana. O Estado Português, pai desnaturado e frio, como sempre foi, deixou-os abandonados, e continua a fazer tábua rasa dessa realidade, como se os portugueses tombados na Guerra do Ultramar tivessem sumido após o 25 de Abril, num golpe de magia. Atualmente não faltam homenagens póstumas a tantos portugueses caídos na Guerra, muitas dessas homenagens são levadas a cabo por instituições como o Lions Clube de Portugal, uma ramificação dessa organização nascida no primeiro quartel do século XX nos Estados Unidos da América, onde um dos seus preceitos passa pelas causas humanitárias. Não faltam locais um pouco pelo país onde se vislumbram memoriais aos portugueses tombados na Guerra do Ultramar. Estima-se que tenham morrido nas três frentes das campanhas de África cerca de 8290 homens.

O valor mais elevado registou-se em Angola, cerca de 3258, seguido da Guiné com 2070. A maioria morreu em combate – Moçambique registou o maior número de mortos em confronto: 1481, seguido de Angola: 1306 e Guiné: 1240. As estimativas apontam para um número de combatentes estropiados que rondará os 30.000 – deficientes. O Estado Português decidiu em 2004 instituir um suplemento miserável, que grosso modo, rondaria cerca de 150 euros anuais, uma espécie de complemento à reforma, e a contagem do tempo na Guerra para efeitos da mesma. Enfim, migalhas tardias para uma fome que desbravava os caminhos da indignação há algumas décadas após o fim do conflito armado. Não admira que o Estado se tenha esquecido dos seus combatentes, não admira que as instituições pátrias sofram de amnésia, quando o próprio Estado na pessoa dos que dirigem os seus destinos se esquece em poucos anos do que fez e disse, e para bom entendedor, meia palavra basta, disso são fruto algumas Comissões de Inquérito – montanhas que continuam a parir ratos. A culpa morre sempre solteira, e mal daquele que se faz rato, para alegremente viver como um parasita à custa do seu semelhante, privando o seu espírito de ser livre, dizendo o que lhe vai na alma, coitado do que assim for, será sempre um verme. As famílias enlutadas, as que continuam a chorar os seus parentes, merecem o olhar e a atenção da pátria, a que tem o dever ético e moral de repatriar os seus entes, que lá abandonou como se estes tivessem ido para a Guerra de sorriso rasgado, e por vontade própria, sabendo nós que a mobilização era obrigatória, e que a ela muitos conseguiram fugir, fosse para o estrangeiro, fosse através de estratagemas que os livravam do massacre e da barbárie. Portugal espelha o seu caráter nestes pormenores, que para muitos são pormenores de algibeira, são coisa descartável, pouco interessa o sofrimento e a dignidade do ser humano. O Dia de Portugal e outros Dias, não passam de operações de marketing patriótico, pseudo patriotismo, levado a cabo por uma elite que sustenta a pseudo democracia, onde uns são brancos e outros negros, mas «tudo» é Portugal e a Nação. Portugal excêntrico para uns, e mão de vaca para outros, assim tem sido construída a «democracia» nesta pátria, madrasta para uns, mãe para outros. Tanto se esbanja em mordomias, em luxos e burguesias dadas a quem nunca nada fez pela pátria, e aos que deram o corpo ao manifesto, dá-se uma mão cheia de nada, e a «democracia» que muitos dizem estar instituída, não é para todos, senão para um punhado de iluminados, de caminho aberto ao domínio, alimentado pela cegueira, pela ignorância, e pela iliteracia de que padecemos desde longa data. Em nome de todos os nossos concidadãos tombados na Guerra do Ultramar, e de suas famílias, endereçamos as nossas maiores condolências, os sentimentos de quem em choque testemunha a inércia da «democracia», e se por um dia a dita Guerra da Libertação foi tida como tal, que venha o primeiro e nos diga se a igualdade e a equidade reina nessas terras, pois, por aqui, em Portugal, a «democracia» ainda não está de tal forma madura para que o nosso Estado seja norteado por esses valores, quanto mais a Honra. Mais vale ser órfão, a ter um Pai desnaturado!

(*) Lic. em História (U. M.)

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