Estuques e estucadores – Para memória futura

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Em boa hora se vem dando relevo à arte do estuque e aos seus artistas*.  Esse relevo é tanto mais importante quanto se trata de uma arte sobre material facilmente degradável, correndo o risco de se tornar efémera, porque sujeita à volatilidade dos gostos da decoração e sem a resistência física de outros materiais, como o granito ou o mármore, capazes de perdurarem por séculos. É, ainda, tanto mais merecedora de relevo por se tratar de uma arte tipicamente popular, de artesãos, a que a arrogância intelectual não tem prestado muita atenção. Infelizmente, acontece que também não tem sido uma arte devidamente valorizada por quem mais diretamente a devia apreciar e preservar, julgando-a uma arte menor, perdendo-se, assim, preciosas obras onde não era imaginável que tal acontecesse. 

Para memória futura, e para que não possam repetir-se semelhantes perdas artísticas dos nossos artesãos, devo testemunhar um caso ocorrido na freguesia de Deocriste, na capela da Senhora do Crasto, na antiquíssima e aprazível estância do monte sobranceiro à povoação que tem o nome mais cristão de Portugal (Deo Christe).  

Havia naquela capela um lindíssimo oratório, de um estucador daquela freguesia, António Teixeira Veiga, que o construiu em 1920, em honra de Nossa Senhora de Lurdes, cuja imagem também modelou**. Há alguns anos (aí por 2013) esse belíssimo oratório foi pura e simplesmente destruído e substituído por uma banal peanha, a sustentar uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Foi-me dada como razão para a sua destruição o estado irrecuperável da sua deterioração. Tendo observado aquele oratório durante vários anos, pelo menos, uma vez em cada verão, uma tal deterioração não me parecia evidente, apesar dos seus 93 anos. Em todo o caso, um bom estucador seria capaz de o restaurar e de o fazer rejuvenescer, se tivesse havido respeito, apreço e inteligente cuidado por uma obra de um artista da própria terra e muito apreciada por quem, vindo de fora, a observava. Outros critérios desvalorizaram, lamentavelmente, aquela belíssima obra de artesão.

É possível, no entanto, avaliar-se a beleza e o valor daquele oratório, porque, casualmente, alguém que por ali passou antes da sua destruição a apreciou e a fotografou. Só recentemente houve conhecimento dessa fotografia. Para memória futura da obra e da ligeireza da sua destruição, e, sobretudo, para honrar o nome do seu autor, António Teixeira Veiga (1892-1946), aqui se reproduz essa fotografia. 

António Teixeira Veiga e seus irmãos devem ter herdado tal arte de seu pai, também de igual nome, António Teixeira Veiga (1862-19012?), quem, certamente, levou a arte do estuque para Deocriste. Pelo seu falecimento, seus filhos, ainda jovens, emigraram. Em 1920, no ano da construção do oratório, o seu autor e seu irmão, Alberto (1899-1986) emigraram para o Brasil. Alberto trabalhou nos estuques do célebre Hotel Glória, do Rio de Janeiro, hotel de nomeada pela beleza dos seus estuques. De lá regressaram algum tempo depois. Alberto mudou de profissão, mas António e os demais irmãos, David (1889-1981), Augusto (1897-1978?) e Manuel (1902-1999) permaneceram na arte da construção, sem que nenhum deles tivesse sido tão exímio na arte do estuque como António, o autor do Oratório.

*Referência à exposição exibida no Museu de Artes Decorativas de Viana do Castelo e ao livro “Estuque e Estucadores de Viana do Castelo”.

** Felizmente, esta imagem de Nossa Senhora de Lurdes foi preservada, mas foi relegada para a sacristia da Capela. Dessa imagem aqui se reproduz, também a respetiva fotografia.

 

José Veiga Torres

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