Europa à beira do abismo

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A. Lobo de Carvalho

Como ponto de partida para este texto, deixo bem claro que condeno a agressão da Rússia à Ucrânia e que lamento profundamente a perda de vidas humanas e o sofrimento extremo das pessoas e das famílias de ambas as partes em conflito. Contudo, há factos da História recente que não podem ser esquecidos em função da hipocrisia política dos Estados, podendo esta análise destoar do politicamente correcto, mas isso é coisa que não me aflige, porque respeito a verdade. Quem seguir com atenção o que se desenrola a nível estratégico, na generalidade dos países, observará que existe uma preocupação constante por mais poder, mais influência e maior capacidade militar, assim como mais sofisticadas armas de todo o tipo que possam levar à aniquilação quando acontecem os conflitos. As novas tecnologias vieram oferecer recursos inesgotáveis de níveis de destruição, nunca antes imaginados, e é com esta evidência que temos de saber viver, porque todos os Estados têm de privilegiar a segurança dos seus povos.

Como é do nosso conhecimento, está em curso um conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, bem no coração do território europeu, o qual, por virtude das alianças militares e afins, ou até por, inadvertidamente, acontecer ferir-se a soberania de um ou outro Estado, poderá vir a envolver outros actores, como sejam OTAN, China, etc, detentores de poder nuclear. 

Os Estados Unidos da América (EUA), conforme os seus responsáveis políticos têm proclamado, não têm amigos, mas interesses. E, nesse contexto, aparecem como parte activa nos conflitos, não por amizade, mas pela defesa dos seus interesses, com relevo para o crescimento do negócio da venda de armas, que rende biliões e biliões de dólares, pelos recursos naturais, etc. Neste conflito em solo europeu, embora não sejam conflituantes directos, não deixam, no entanto, de estar presentes através do fornecimento de material bélico sofisticado à Ucrânia e de reforçar em meios humanos e materiais a sua presença em países da OTAN que fazem fronteira com a Rússia. Abandonaram o Vietnam sem glória, após uma guerra mortífera de alguns anos; destruíram completamente o Iraque com base na difusão global de mentiras sobre armas de destruição maciça; mais recentemente abandonaram o Afeganistão após vinte anos de guerra inglória, deixando as populações à mercê do ódio dos talibans. Quantos biliões de dólares ganharam com os negócios subsequentes relativos à reconstrução não é do conhecimento público. Com outros países amigos fizeram o mesmo que a Rússia está a fazer à Ucrânia! E não houve alianças opositoras por parte dos Estados! Gostaria, naturalmente, de perceber por que razão, em conjunto com países da OTAN, os EUA invadiram e destruíram o Iraque, com base em requintadas e provadas mentiras, e participaram na destruição da Líbia com países europeus, como sejam a Inglaterra e França, matando selvaticamente os seus presidentes e tentando o mesmo, sem sucesso, na Tunísia e na Síria, sem que houvesse uma condenação pela comunidade internacional. E agora, porque a Rússia invadiu a Ucrânia, todos se juntam a condenar a Federação Russa! Porquê esta dualidade de atitudes? Porquê esta hipocrisia?  Repito que fique bem explícito que não estou a dar razão à Rússia, que não dou, mas não deixa de ser indecoroso que houve dois Estados soberanos cujas lideranças políticas foram decapitadas e os países destruídos, e ninguém se incomodou com isso. Alegarão que eram dois ditadores e não democratas, mas a verdade é que havia lei, ordem e desenvolvimento socioeconómico, e também porque não se pode enfiar a democracia pela garganta das pessoas.

Penso que o mundo nunca mais será unipolar e temos de nos convencer disso. Tempos houve em que os americanos eram o polícia mundial, conhecido que é o seu poderio militar, mas isso acabou com a ascenção da China e da Rússia, que detêm, igualmente, importante arsenal nuclear. E a União Europeia, se não gastasse grande parte do tempo a discutir as ideologias do género e outras questões minimalistas e sexistas sem importância, poderia ter um papel bem mais importante, politicamente, neste mundo multipolar, coisa que não tem, porque apenas a França dispõe de poder nuclear.

No conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia deve-se, friamente, entender (mas não aceitar, por haver o caminho da diplomacia) o pensamento estratégico do presidente da Federação Russa, considerando que tem as fronteiras a Oeste cercadas por países sofisticadamente armados pela OTAN, havendo outros pedidos de adesão. Perante tal ameaça ao seu espaço vital, diga-se que  executou uma jogada de mestre com o objectivo de manter a Ucrânia ou parte dela como território neutral, e que consistiu no reconhecimento oficial, como nações autónomas, das duas mais recentes Repúblicas separatistas, com as quais a Rússia mantém profundos laços afectivos e linguísticos, defendendo-as, a pedido das mesmas, de alegadas agressões por parte da Ucrânia, obtendo, assim, um argumento, no seu entender válido, para invadir este país. 

As fortíssimas sanções impostas pelos Estados Unidos e comunidade internacional, à Federação Russa e seus dirigentes, ultrapassam o limite do razoável. Por um lado, trarão sérias consequências sociais e económicas sobre aquele país e suas populações, com reflexos em toda a Europa; por outro    e este é para mim o mais grave de todos  -,  acicata os ódios e a determinação de vingança, podendo desembocar no emprego de armas nucleares, o que seria extremamente trágico. Pelo que, com tanta retórica inflamada e desnecessária, é bem melhor que a União Europeia, a OTAN e a comunidade internacional privilegiem não só o diálogo ao nível diplomático, como também respeitem um dos princípios básicos da Estratégia, que consiste em não humilhar o inimigo, dando-lhe a possibilidade de uma saída com dignidade do conflito. 

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