Fico surpreendido quando algum responsável numa qualquer hierarquia de decisores manifesta absoluta ignorância de um problema que atinge os que serve e, pior fico ainda, quando se insiste em negar a existência do problema, mantendo o alegado desconhecimento e, até, desmobilizando outras instâncias de decisão. Está a acontecer isso com a luta dos vianenses pela criação de um Serviço de Radioterapia em Viana do Castelo, com a alegação de que as queixas dos doentes com cancro não chegam aos responsáveis do Hospital de Santa Luzia. Pudera! Os doentes do distrito com cancro que necessitam de Radioterapia são encaminhados para o Hospital de Braga … e boa viagem, o problema deixa de ser dos responsáveis do Hospital de Viana! Mas a comunidade vianense tem o dever cívico de cuidar do bem-estar dos seus doentes, ultrapassando a limitação burocrática dos responsáveis hospitalares. Um doente vianense é sempre um cidadão vianense, quer seja tratado em Viana, em Braga ou no Porto e, por isso, o seu bem-estar deve ser uma preocupação permanente da comunidade vianense. Por isso, 36 mil e 543 cidadãos residentes no distrito, já subscreveram o abaixo assinado lançado pela Liga dos Amigos do Hospital, reivindicando a criação do Serviço de Radioterapia em Viana do Castelo, conhecendo e solidarizando-se com os doentes com Cancro que, além da fragilização física e psicológica, são obrigados a percorrer um calvário de centenas de quilómetros diariamente, semanas e semanas seguidas, para receber o tratamento de radioterapia em Braga ou no Porto.
Porque não inventamos o problema, decidi publicar algumas breves histórias de doentes, que ao longo dos anos nos contactaram, queixando-se do sofrimento a que são sujeitos por não haver Serviço de Radioterapia em Viana do Castelo. Para que se saiba …
– O senhor JRMR tinha 87 anos quando lhe foi diagnosticado cancro na próstata, tendo sido encaminhado para fazer radioterapia em Braga. Fez 38 sessões de tratamento, o que representou 7 semanas e meia de deslocações diárias de 2ª a 6ª feira. Residente na Areosa, levantava-se às 6h da manhã em pleno inverno, para estar na rua às 7h, ao frio e muitas vezes à chuva, para esperar pela carrinha que o transportaria a Braga. Mas a viagem não era directa para Braga, porque a carrinha onde era transportado tinha de recolher mais quatro ou cinco doentes em várias freguesias que, nas curvas e contracurvas dos caminhos rurais, enjoavam e, os que estavam mais fracos, passavam muitas vezes mal até chegarem ao Serviço de Radioterapia. Não tendo queixas do tratamento nem da equipa técnica, o senhor JRMR queixava-se do tempo de espera para fazer um tratamento que durava apenas alguns minutos, mas, como não eram atendidos todos ao mesmo tempo, tinham de esperar uns pelos outros sentados, quando o cansaço e o mal estar requeriam uma cama para se deitarem. Mas ainda faltava a viagem de regresso, com o mesmo martírio das voltas e contravoltas a provocarem ainda mais sofrimento, até chegar à Areosa entre as 12.30 e as 13 horas (cerca de seis horas depois de sair de casa!). Esgotado e indisposto o senhor JRMR, nem lhe apetecia comer e ia logo deitar-se, só se levantando da cama no dia seguinte, às 6h ainda durante a noite, para repetir o calvário. Mas acordava muito antes, com a angústia do que ia voltar a sofrer no dia seguinte!
– A senhora CS tinha 64 anos quando lhe foi diagnosticado cancro da mama, tendo sido operada no Hospital de Viana do Castelo, onde fez também Quimioterapia no Hospital de Dia durante semanas. Depois foi encaminhada para fazer 25 sessões de tratamento no Serviço de Radioterapia do Hospital da CUF no Porto. Durante cinco semanas foi transportada para o Porto numa carrinha de uma empresa privada de Braga (paga pelo Serviço Nacional de Saúde) que, quando chegava a Viana, já trazia dois doentes, recolhidos em Vila Nova de Cerveira e Carreço e depois ainda passava por Darque, Portela Suzã e Alto Fragoso, para recolher outros doentes, um dos quais em cadeira de rodas e outro tão fragilizado e dependente que tinha de ser ajudado para entrar e sentar-se no banco da carrinha. Saía de Viana às 6 da manhã, noite cerrada em pleno Inverno, regressando a casa sempre depois do meio dia, cansadíssima depois do périplo de altos e baixos e curvas e contracurvas por estadas de montanha. Eram seis horas de sacrifício, todos os dias e 5 semanas seguidas!
– A senhora MCRV teve cancro da mama aos 52 anos e foi operada no Hospital de Viana do Castelo. Suportou muito mal os ciclos de Quimioterapia, ficando fisicamente muito depauperada e abatida, sem o mínimo de condições físicas e psicológicas para suportar as traumatizantes viagens no transporte colectivo de doentes, que lhe foi disponibilizado pelo Serviço Nacional de Saúde, para fazer 32 sessões de Radioterapia em Braga. Além do encargo financeiro da família, o seu filho faltou às aulas durante 6 semanas e meia para conduzir o automóvel, em que fez semideitada as viagens diárias para Braga, com ida e volta e tratamento a consumirem cerca de três horas, regressando a casa cansadíssima, maldisposta e incapaz de fazer fosse o que fosse. Mulher atenta ao que a rodeia, MCRV relatou-nos a seguinte história de um doente que conheceu e ajudou nestas deambulações:
– O senhor MT tinha 78 anos quando lhe foi diagnosticado cancro na próstata e foi encaminhado para fazer Radioterapia em Braga. Por razões que não soube explicitar, o senhor MT não beneficiou do transporte pago pelo SNS e deslocava-se pelos meios a que tinha acesso – comboio e autocarro. Residindo em Vila Nova de Cerveira o doente apanhava o comboio cerca das 9h para viajar até Nine, onde mudava de comboio para ir até Braga, em cuja estação apanhava um autocarro que passava pelo Hospital, mas não subia a rampa de acesso, que o senhor MT tinha de escalar pelo seu pé, carregando o seu cancro e a sua vontade férrea de o vencer! E regressando mais fragilizado pelo mesmo caminho e meios, o idoso senhor MT chegava a casa bem depois das 18 horas, completamente esgotado. Longas 9 horas de sacrifício para fazer um tratamento de apenas alguns minutos, a repetir no dia seguinte e seguinte e seguinte, durante mais de 6 semanas! Valeu-lhe a boleia até Viana, oferecida pela senhora MCRV, que lhe poupou muitos dias de calvário na segunda metade do tratamento!
Voltarei ao tema, para que estes gritos de sofrimento e revolta não continuem abafados e cheguem aos ouvidos, mesmo dos que não querem ouvir. Para que se saiba …