Foi há sessenta anos…

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Quando estive na Índia, de 1957 a 1959, ainda tive oportunidade de verificar, entre outros assuntos, o grande interesse religioso, artístico e histórico de Goa, Diu e Damão.

Ao longo daqueles territórios deparei, além de peculiares usos e costumes, com casas senhoriais, palácios, casas humildes, antigas fortificações militares, templos católicos, templos hindus, templos muçulmanos, etc., tudo numa aparente boa coexistência. Isto numa Índia profundamente dividida por questões religiosas, sociais, económicas e políticas.

Nunca poderei esquecer a mesquita de Safa, em Ponda, o forte da Aguada, a casa senhorial de Chandor, a igreja de S. Caetano, o templo de Shri Mahadeva, em Surla, o santuá-rio de Khandepar, a igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Pangim, a igreja de S. Francisco de Assis, o Arco dos Vice-Reis, a capela de Santa Catarina, o convento de Santa Mónica, a igreja de Salcete, o forte de Teracol, o forte de Chapora, uma casa senhorial de Loutulim, a igreja do Rosário, em Saligão, o templo de Shantadurga, em Queula, o templo de Shri Saptakoteshware, em Bicholim, o templo de Shri Mahalsa, o templo de Shri Manguesh, em Prior e muito, muito mais.

Mas, num cenário de paragem no tempo, num cenário de contrastes (a Índia é toda ela um mundo de contrastes, de cheiros, de cores…) também nunca poderei esquecer a sensação de vazio, decadência e abandono que experimentei ao chegar a “Velha Goa”, outrora uma grande cidade e um dos mais concorridos mercados do Oriente. Tinha plena consciência de que já não iria encontrar a sua extensa muralha, de cerca de quinze quilómetros de comprimento, as suas portas (ou – passos -), os seus fortes, os seus taludos, as casas apalaçadas e, sobretudo, o mercado, com os seus produtos exóticos e preciosos. Ainda encontrei ali algumas igrejas notáveis e edifícios religiosos, o Arco dos Vice-Reis, muitas ruivas mas, acima de tudo, um silêncio avassalador, só interrompido pelo grasnar dos corvos. A propósito, diz-se que uma das principais razões da sua decadência, teria sido a insalubridade do local.
Também, ali, no palácio de Sabaio, esteve instalada a sede da sinistra Inquisição, nos séculos XVI, XVII e XVIII. Da literatura sobre o assunto, saliento o trabalho “História da Inquisição de Goa”, de António Baião. Recorde-se que grande parte do arquivo da Inquisição de Goa foi destruído (talvez queimado).

Assim, não é possível saber hoje quantos autos de fé houve ou quantas pessoas foram detidas e os seus bens expoliados.

Mas não podemos ignorar que, na Índia, as noções de vida e de morte são encaradas de um modo muito peculiar. Disto nos apercebemos logo à nossa chegada a Goa. Porém, quando regressamos a Portugal, após um longo período naquelas terras, pensamos que já compreendíamos um pouco melhor certos costumes, usos, crenças do Oriente.

Na Antiguidade, Goa foi co-nhecida como Gomant, Goman-tak, Gomante ou Govapuri. Diz a lenda que o todo poderoso deus Shiva, enamorado da beleza única daquele recanto da Índia, não resistiu e também ali se deteve algum tempo para meditar, na sua longa caminhada pelo Mundo…

Foi, portanto, há sessenta anos na manhã do dia 25 de Abril de 1959, que o navio, proveniente da Índia, atracou em Lisboa. Noite avançada, chegamos a Viana, juntamente com amigos e companheiros daquela perigosa aventura que fomos obrigados a viver.

Contudo, muitos deles já não se encontram entre nós. Nesta incaracterística Primavera de 2019, evocamos a sua memória, assim como a de toda uma geração de Vianenses que, em determinado período da sua vida, também teve de ser aventurar para longínquas paragens…

José Luís Rosa de Araújo

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