Gratidão. Aqui a deixo publicamente!

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O SNS foi, entre muitas, a maior conquista da Democracia, sendo fundado em 1979, para garantir o direito à proteção da saúde, a prestação de cuidados globais de saúde e o acesso a todos os cidadãos, independentemente da sua condição social e de recursos nos termos da constituição portuguesa. A maioria dos portugueses sabem da sua importância, quer pelo conhecimento da extensa rede de unidades hospitalares e de saúde pública, que entretanto se foram construindo, quer porque uma ou outra vez a ele tiveram de recorrer para receber cuidados de saúde ou, recentemente, se aperceberam da sua real importância durante a pandemia, respondendo-lhe satisfatoriamente e poupando milhares de vidas, mas impotente, para proceder com eficácia e oportunidade ao combate e tratamento de outras patologias, que, por ausência dos recursos suficientes (humanos e materiais), muitas vezes foi adiado, carências estas que resultaram no adiamento de cirurgias, consultas de diagnóstico e, por consequência, mais óbitos. 

Se por um lado, a meu ver, podemos afirmar que, nos primeiros vinte e cinco anos da sua existência, o SNS gerou ganhos em saúde, que colocaram Portugal num lugar de destaque no que se refere à qualidade de vida de milhões de cidadãos, e que ajudou a reduzir as desigualdades sociais de acesso aos cuidados de saúde, por outro, vimos verificando que esses ganhos, nos últimos quinze anos, se foram esbatendo devido às opções e decisões políticas mais liberais, que determinaram a redução do investimento público no serviço de saúde e se orientaram para dar protagonismo às unidades de saúde privadas, com todos os interesses económicos que elas mobilizam a montante e a jusante, nomeadamente, os da banca e das seguradoras, pretendendo ou pelo menos pactuando, com o desígnio de fazer da saúde das pessoas um negócio de milhões. 

Mesmo assim, perante estes ataques constantes ao SNS, onde os seus protagonistas seguem a máxima popular, “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”, tem sabido responder em sua defesa a oposição de alguns partidos, deputados e cidadãos que nunca viram a cara à luta, e ao compromisso com o modelo de proteção da saúde dos portugueses, que nunca poderá ficar totalmente à mercê da iniciativa privada.

Para esse compromisso, também tem contribuído decisivamente, a dedicação, a entrega quase permanente dos nossos profissionais do Norte ao Sul do País, que dividindo as suas vidas entre o Hospital ou o Centro de Saúde têm trabalhado arduamente nos últimos três anos, enfrentando todo o tipo de contrariedades, desde a insuficiência de recursos humanos durante e depois da pandemia, que os obrigou e obriga ainda, a trabalhar um elevado número de horas mal remuneradas, até, muitas vezes, se sujeitando muitos ao assédio moral na profissão, ao não reconhecimento do trabalho e da carreira, motivos de estímulo para muitos deles, deixar o serviço nacional de saúde e o seu país. É isto que temos de evitar. É preciso contribuir ativamente para o reconhecimento de todos os profissionais de saúde.

Em Portugal, praticamente, ainda não existe uma cultura do reconhecimento e do elogio ao trabalho dos outros e das outras profissões. A meu ver, tornamo-nos muito individualistas, achamos que não precisamos do outro para nada, tendemos a desvalorizar e a apoucar as competência e o profissionalismo dos outros, o mérito e, até, qualidades humanistas mais visíveis em algumas pessoas; primamos pela superioridade e pelo individualismo (eu fiz isto eu fiz aquilo, e raramente se profere “o nós fizemos ou conseguimos atingir esta ou aquela meta”). Temos de corrigir este handicap cultural e fomentar mais essa cultura do reconhecimento, afinal, aquilo que a outra pessoa ganha ou não ganha em nada contribui para a minha felicidade, mas pode contribuir ou não para a felicidade de todos.

No entanto, apesar disso, e de toda a obsessão em desmantelar o SNS, ele continua a responder satisfatoriamente em algumas regiões, particularmente, ao Norte de Portugal, uma realidade que ao longo dos últimos oito anos tive a oportunidade de conhecer em duas Unidades Hospitalares: O IPO do Porto e o Hospital Distrital do Alto Minho. Embora com missões distintas, elas foram as casas que, ao acompanhar familiares doentes, me permitiram observar de perto a qualidade dos serviços prestados, sendo de destacar que para essa qualidade contribui decisiva e maioritariamente o potencial humano, a vocação ou a grandeza de alma, o conhecimento, o profissionalismo de todo o pessoal, que é do melhor que há e que Portugal continua a formar e a formar muito bem. 

Circunstancialmente, sinto agora o dever de falar justamente do Hospital Distrital ou da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE, como agora é designado, porque uma coisa é vivenciar experiências e observar como acompanhante, outra bem distinta é viver a experiência de acolhimento, no papel de utente-doente, a necessitar de cuidados urgentes de saúde.

No sábado, do passado dia 28 de Janeiro, acometido de doença súbita, dirigi-me ainda de madrugada à urgência da referida Unidade de Saúde, onde tive de ser submetido a uma cirurgia de urgência e de lá saí com alta na segunda-feira. Assim, posso reafirmar, não só pelo reconhecimento que tinha das experiências já referidas com terceiros, mas também através da experiência pessoal que vivi, que os vianenses podem contar com uma satisfatória eficiência da sua unidade hospitalar e, sobretudo, podem contar com um efetivo de recursos humanos notável, a todos os níveis, e que não há palavras para descrever o profissionalismo, a simpatia, a dedicação, a disponibilidade, a capacidade de entrega quase sem limites de todos, comigo e com todos os doentes. 

Não vou particularizar nenhuma função, porque bem sabemos que o trabalho de uma máquina se deve ao trabalho sincronizado de todos os seus componentes, neste caso, o trabalho meritório de uma equipa resulta no trabalho aturado e sincronizado de todos. Até podem alguns dizer que essa é a sua obrigação. Sim, não deixa de ser uma obrigação e eles sentem-na, mas, acima de tudo, é um compromisso, uma missão, uma entrega, uma dádiva ao outro. Neste sentido, apelo a quem tutela e administra o SNS e as Unidades de Saúde, para que, por favor, parem de maltratar os profissionais de saúde: os médicos, os enfermeiros, os técnicos-especialistas, os auxiliares de serviços, etecetera. Reconheçam essa sua vocação, o seu trabalho, a sua dedicação, valorizem-nos, dêem-lhes estímulos e perspetivas de carreira, estabilidade profissional e horizontes de vida para poderem continuar a servir os portugueses no SNS, missão e trabalho sem preço. Não destruam uma das maiores conquistas de Abril: a saúde, a par da educação, são os maiores pilares da nação. Sem eles não existe futuro.

A todos os profissionais do Hospital do Alto Minho, aqui deixo publicamente a minha gratidão. Um grande bem-haja, e que Deus vos proporcione tudo de bom.

Vítor Calçada

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