Guerra na Ucrânia

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Carmo Afonso, disse e bem:”Qualquer enquadramento no contexto histórico é lido como desculpabilização ou normalização da atuação de Putin… Não há lugar para a História.” (Público de 04.03.2022) Não querendo de nenhum modo desculpabilizar a invasão da Ucrânia pela Russia, a qual deve ser condenada nos termos mais fortes possíveis, vou tentar dar alguma contextualização a este conflito. A esmagadora maioria das opiniões e comentários na comunicação social pintam este conflito a preto e branco, quando o quadro tem muitas cores.

Os acordos de Minsk (2014 e 2015) que deviam regular o diferendo entre a Ucrânia e os territórios russófonos de Donetsk e de Lugansk, nunca foram cumpridos por qualquer das partes, e especialmente dum modo não dissimulado pela Ucrânia, que sempre disse que aqueles acordos tinham de ser revistos. Também é um facto que nos últimos oito anos as populações daqueles territórios russófonos foram assediadas por forças governamentais e para-militares ucranianas, assedio esse que se saldou na morte de mais de 15 mil ucranianos. O reconhecimento pela Russia da independência das repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk, não pode estar dissociado daquela realidade.

Noutro plano bem mais sério, temos a questão da NATO. Em 1990, depois do fim da União Soviética e da respectiva aliança militar (Pacto de Varsóvia), o secretário-geral da NATO, Manfred Wörner, indo ao encontro das preocupações de segurança da Russia, disse que a Aliança Atlântica (NATO) tomava o compromisso de prometer não se expandir aos países de leste, países que fizeram parte do Pacto de Varsóvia. Desde então, a NATO aceitou como membros a República Checa, a Hungria e a Polónia  em 1999, a Bulgária, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Roménia, a Eslováquia e a Eslovénia em 2004 e a Albânia e a Croácia em 2009, todos países do leste e do extinto Pacto de Varsóvia. Para uma organização que tinha prometido não se expandir a leste, é obra.

A NATO é hoje uma grande orquestra regida pela batuta dos Estados Unidos (EUA) e na qual nós, Portugal, só tocamos os ferrinhos. Porque é que os EUA têm, desde 2014, vindo a dar armamento â Ucrânia no valor de $418 milhões anualmente e, desde a anexação da Crimeia pela Russia em 2014, os EUA ja deram mais $2,7 biliões, como se a Ucrânia (já) fosse um membro da NATO, sabendo perfeitamente que esse armamento não era suficiente para dissuadir um ataque da Russia, como se verificou, e deixando a Ucrânia a falar sozinha quando isso aconteceu? Terá sido este um procedimento ético por parte dos EUA?

Näo sendo dado a teorias de conspiração, é óbvio que uma guerra na Europa, bem longe da América, serve os interesses económicos e estratégicos dos EUA. Desde a venda de gás liquidificado (LNG) à Europa, substituindo-se à Russia como seu principal fornecedor, até ao aumento de vendas em armamento que a nova situação de segurança na Europa e não só na Europa vai exigir, para grande benefício da sua indústria de armamento, o poderosíssimo military industrial complex. E a União Europeia, que sempre foi vista como um bloco económico rival, fica enfraquecida. Além disso, uma guerra ou um clima de guerra, sempre foi bom para um presidente na altura das eleições.

A Europa vai sofrer imenso com esta guerra, uma guerra que devia e podia ter sido evitada, uma guerra que jamais devia ter acontecido. A meu ver, a União Europeia devia ter sido mais assertiva com os EUA. Os seus interesses nem sempre são coincidentes, como esta guerra bem mostra.

O que achei extraordinário e me deixou estupefacto, foi o entusiasmo com que os europeus, particularmente os líderes da União Europeia, abraçaram a narrativa dos EUA. Foi como se estivesse a ver o Titanic a afundar-se com os passageiros a aplaudirem.

                                                           Ronald Silley, Canadá 

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