Ignorância da Lei – Malefício incontornável

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Os códigos civis prescrevem: “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.

Claro que o princípio comporta excepções e é temperado, na perspectiva dos destinatários em geral, por princípios e normas que ora não vêm ao caso. Mas se o vulgo é amiúde confrontado com a norma, menos ainda se pode permitir que o próprio legislador ignore em que lei vive, que leis vigoram no país, com que linhas – em matéria de leis — nos cosemos em Portugal…

Vem isto a propósito de uma iniciativa tomada, na semana passada, no Parlamento e que terá culminado na aprovação de uma RESOLUÇÃO “para que o Governo adopte legislação para acabar com bloqueios geográficos na aquisição de bens disponíveis em websites de outros Estados-membros, sobretudo vestuário, calçado e equipamentos informáticos e electrónicos”.

A Directiva 2006/123, de 12 de Dezembro, vulgarmente conhecida como a “Directiva Serviços”, transposta em Portugal pelo DL 92/2010, de 26 de Julho, disciplina tal matéria.
No artigo 19 do diploma editado em Portugal estabelece imperativamente, na esteira, aliás, do artigo 20 da Directiva:

Não discriminação dos destinatários
1 – Os destinatários dos serviços não podem ser discriminados em virtude da sua nacionalidade, do seu local de residência ou da sua sede.
2 – As condições gerais de prestação do serviço definidas pelo prestador de serviços não podem ser discriminatórias em função da nacionalidade ou do local de residência ou da sede do destinatário dos serviços, excepto se a diferenciação for directamente justificada por critérios objectivos.
3 – A lei não pode sujeitar os destinatários a quaisquer condições, limitações, proibições ou outras medidas que restrinjam a utilização de um serviço fornecido por um prestador de serviços pelo facto de este se encontrar estabelecido noutro Estado membro.
4 – Entende-se por «destinatário dos serviços» qualquer pessoa singular nacional de um Estado membro ou que beneficie dos direitos que lhe são conferidos por actos comunitários, ou qualquer pessoa colectiva estabelecida em território nacional ou noutro Estado membro que contrate ou pretenda contratar, para fins profissionais ou não, um serviço.“

Ademais, perante os clamorosos desvios à legalidade, o legislador europeu entendeu verter em recente instrumento normativo (o Regulamento 2018/302, de 28 de Fevereiro, publicado no Jornal Oficial, em 2 de Março do ano em curso) um consequente conjunto de regras, cuja entrada em vigor está aprazada para 3 de Dezembro p.º f.º.

Regras essas que tratam “de cabo a rabo” das discriminações que se vêm observando no seio do Mercado Único.
Há, pois, lei. Mas os deputados, ao que parece, ignoram-na! Aliás, em tempos, fomos surpreendidos com uma pretensa iniciativa de um deputado que, por ignorância, pretendia apresentar um projecto-lei que daria aos consumidores a possibilidade de inscreverem o seu nome numa lista de exclusão se acaso não quisessem ser alvo de acções de marketing directo (ou receber comunicações não solicitadas de empresários e ou empresas).

Ignorava, pois, a lei existente. Que proíbe, à cabeça, a remessa seja a quem for (pessoa singular) de comunicações não solicitadas, vulgo, SPAM, podendo os interessados, isso sim, se entenderem receber tais mensagens, inscrever-se numa lista de inclusão.

A lei em vigor, protegendo melhor os consumidores, estabelece exactamente o contrário do que pretendia o voluntarioso deputado…

Se a confusão perante um ordenamento tão “desordenado” já é grande, com iniciativas destas mais se “baralham” as pessoas e o próprio Estado parece não saber a quantas anda…
Estranho! Estranho e francamente deplorável!

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra

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