Igreja católica: a desorientação total

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Em novembro passado, ao publicar uma crónica com o título “Nas bocas do mundo”,  na qual relatava a vozearia geral sobre os alegados comportamentos por parte de um revelador número de membros do clero católico em matéria de “pecados da carne” e, muito especialmente, de abusos sexuais que, sendo um crime de prática transversal (abrange as diversas comunidades e instituições com frequência interna de crianças e jovens, mas também na comunidade familiar), estava longe, agora, de voltar ao tema, uma vez que o relatório da chamada Comissão Independente foi apresentado em 13 de fevereiro de 2023. Os comentários aparecidos a partir do mesmo dia da apresentação, apesar de variados, tiveram dois pontos comuns: foi muito elogiada a atitude da Conferência Episcopal Portuguesa como uma iniciativa “corajosa, louvável e única a nível da sociedade portuguesa”, sendo que o outro comentário, também generalizado, referia que os números apresentados, mesmo sendo significativos, estariam muito aquém da realidade. 

Notemos que as queixas chegadas à Comissão abrangiam as décadas a partir de 1950, ou seja, 72 anos da nossa contemporaneidade. Passado um período de reflexão, foi a vez da Conferência Episcopal Portuguesa dizer da sua justiça e, para isso, convocou uma reunião com os media, que acorreram em massa. E, aí, aconteceu a desorientação total, tendo sido esse evento classificado pela quase generalidade dos vídeo-ouvintes entrevistados e figuras da política e comentadores como (um evento, repito) estranho, confuso e dececionante. E até pior: nos dias seguintes, as opiniões dos Bispos eram contraditórias ou, no mínimo, mal-alinhavadas, sendo fácil perceber que os Bispos até no Direito Canónico titubeavam ou nem mesmo tinham estudado as instruções da Santa Sé sobre como proceder nos casos de abusos de menores, sob o lema de ação “tolerância Zero”. Mais ainda: a dedução de que os Bispos portugueses estão desavindos, talvez irremediavelmente, não é uma conclusão difícil de chegar.  

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, perante a confusão da Conferência Episcopal e na qualidade de Presidente da República – segundo o próprio frisou – e não a de fiel católico (pois, neste caso, “seria muito mais contundente” acrescentou Marcelo), acabou por, na RTP 1 e jornal Público e, depois, nos media, ter mão no drama: “A atitude da Conferência Episcopal foi incompreensível, tardia e alheia a responsabilidades”. “Uma desilusão”, acrescentou. Mais disse o Presidente da República: “a credibilidade e a confiabilidade da Conferência Episcopal estão em causa”. É verdade: quem não se recorda (doutrina católica) de que até um simples “pecado”, para ser perdoado, precisa de ser confessado (ou admitido pelo pecador), precisa de um propósito firme de emenda e também da reparação do mal causado, seja material ou espiritual? …

O Presidente da Conferência Episcopal, Bispo José Ornelas, dias depois da famigerada reunião de imprensa, assumia, em entrevista ao jornal Expresso, “que não foi feliz, que não correu bem e que não conseguiu passar aquilo que levava para dizer”.

Mas quais as razões de fundo desta trapalhada? A Igreja Católica e, sobretudo, a sua hierarquia … Não se sentem confortáveis perante o tema da sexualidade; por outro lado, sentem-se envergonhados por terem sido apanhados em flagrante; perante as perspetivas de reforma na Igreja estão amedrontados com o desafio de serem Povo e estarem no meio do Povo; em matéria de gestão financeira (questão das indemnizações às vítimas), oscilam entre o luxo (mais no passado que no presente, em nome da verdade), a sovinice e a pedinchice frequente.

A purificação da Igreja Católica (e da sua hierarquia) está a ser dura, sem dúvida. Vários videntes (beatos/as ou santos/as) profetizaram acontecimentos terríveis para os tempos presentes. Há que resistir com o Papa Francisco e com base nas reformas ou renovações propostas por todos nós, dentro do conceito de sinodalidade. Há que segurar, convictamente, a bandeira do Cristianismo ou, ainda mais, defender com firmeza a herança do humanismo cristão. De preferência, com o Clero ao lado do Povo de Deus; sem o Clero, se este não quiser; ou contra o Clero, se for necessário. 

(Já após a elaboração desta crónica, foi publicado no Diário de Notícias (8 de março) um interessantíssimo artigo do Padre e Professor Universitário Anselmo Borges, que versa este mesmo tema. Só que com achegas de grande oportunidade e sabedoria)

Manuel José Ribeiro

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