Neste contexto de pandemia, o tema previsto para este Notas Curtas era a cultura e a crise que a assola. Fica para a próxima, já que não resisti voltar ao assunto da semana passada.
A leitura de uma entrevista com Isabel Jonet, responsável pelo Banco Alimentar, publicada na última edição do jornal Expresso, na qual aborda os dramas da pobreza em Portugal, é matéria que surpreende.
Em 2012, não se saiu bem ao afirmar em entrevista que “os portugueses não têm que comer bifes todos os dias”. Questionada sobre se voltaria a fazer esta afirmação, respondeu. “Nem uma linha: muitas pessoas não entendem o sentido de uma metáfora”.
Na altura, nas redes sociais, as críticas chegaram ao patamar da provocação. Felizmente, não alinhei nesse coro. Entendo que não é uma afirmação descontextualizada que compromete o trabalho de décadas para ajudar quem precisa. Há, obviamente, uma rede imensa de voluntários que a rodeia, também esses dignos de admiração, mas a coordenação pertence-lhe. E tem que haver sempre uma primeira figura em tudo para que tudo corra bem.
A apreciação ao seu trabalho tem que ser sumária, porque os números da pobreza que nos dá a conhecer são motivo de reflexão maior. Isabel Jonet entrou como voluntária para o Banco Alimentar contra a fome há 26 anos; e esta instituição a que hoje preside preocupa-se em angariar alimentos para 2.600 entidades, a que correspondem 380.000 pessoas.
Esta era a realidade de há pouco tempo, mas a de hoje é bem mais aflitiva. Desde o início da pandemia já chegaram mais 12.060 novos pedidos de ajuda de famílias ou outros grupos, a abranger cerca de 58 mil pessoas. E nos novos pobres, diz Jonet, “enquadram-se os profissionais das artes, do turismo, dos ginásios, empresários, e outros trabalhadores precários e da economia informal que, de uma forma súbita e imprevista, ficaram sem sustento”.
Nesta entrevista também ficamos a saber que em Portugal há dois milhões de pessoas (1/5 da população) a viver com menos de 450 euros por mês; e deste número há um milhão que tem que se sustentar com menos de 250 euros. E aqui diz a Isabel: “ora estas pessoas não podem ser lives, nem sequer na hora de votar”. Pois todas necessitam, mesmo que pontualmente, de se socorrer da caridade. É para isso que existe o Banco Alimentar.
Entendemo-la bem quando afirma “não ligo nenhuma a críticas destrutivas de alas da sociedade que não fazem nada pelos outros e que não merecem o menor respeito”. É verdade, mas felizmente, talvez com menos visibilidade, ainda temos muita gente voluntariosa neste país.