Joana Marques “Vital”?

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José Carlos Freitas

Faça, o leitor, o seguinte exercício: imagine que regressava a casa após dez anos de exílio algures nos confins do mundo, sem nunca ter tido acesso a qualquer tipo de informação. Assim, chegado a 2018, desconheceria que José Sócrates, golden boy da política nacional em 2008, se encontra acusado da prática de inúmeros crimes, cuja censurabilidade pública se vê agravada precisamente porque é o “Zé” Sócrates e não um qualquer “Zé Ninguém”; que Ricardo Salgado, o influentíssimo “dono disto tudo”, uma espécie de ”Il padrino” português, é o pretenso (mais que provável, ao que parece) mastermind e epicentro de uma gigantesca teia de corrupção de tal magnitude e alcance que encerrou, per se, força suficiente para comprometer o progresso do país, empurrando-o para o abismo em que, feliz e tangencialmente, não caiu; que Armando Vara, Duarte Lima ou José Oliveira e Costa foram condenados por corrupção, branqueamento de capitais, tráfico de influências e todos os afins pouco recomendáveis que, por sistema, lhes são intrínsecos, a penas de prisão evitadas apenas pelos infindos recursos interpostos, ironicamente financiados pelas fortunas que amealharam, em boa parte, pelas vias ilícitas que hoje conhecemos. Por mais sonantes que estes exemplos sejam, o leitor perceberia, instantaneamente, que não passam disso mesmo, meros e redutores exemplos de uma realidade que se materializa entre muitos outros incontáveis casos, novelas ou números de circo ocorridos num país em que são os palhaços que pagam para se sentarem na plateia a observar e a aplaudir os malabarismos e contorcionismos impossíveis exibidos pelos verdadeiros artistas nacionais.
Não, Portugal não se transfigurou, nem viu desertar toda a gente séria e honesta que cá vivia. Também não é o covil de lobos, empresários e políticos corruptos que alguns tentam vender, pois que, naturalmente existindo ainda que mal disfarçados sob cândida pele de cordeiro, permanecem reduzidos à má excepção que confirma a boa regra. O que se operou foi uma profunda mudança de paradigma particularmente sentida no plano judicial, cuja intervenção se sente mais assertiva, equidistante, isenta e atenta, empurrando, finalmente, o negro manto de pestilenta impunidade que sobre nós pairava e inquinava o princípio da confiança que sustenta boa parte dos pilares em que assenta um Estado de Direito, como ainda é, felizmente, o nosso. Mas também na forma infinitamente menos complacente como o povo, hoje “híper-vigilante” e “mega-informado”, encara qualquer deslize ou acto ilícito, particularmente quando cometidos por quem detém o primado do exemplo. Nestes últimos 10 anos apenas se foi iluminando uma face oculta do que já existia (sempre existiu): corrupção, favorecimento, enriquecimento ilícito, tráfico de influências, branqueamento de capitais, fuga ao fisco, corrupção passiva ou activa, e abuso, muito abuso de poder e ainda mais de posição.
Os tempos são, definitivamente, outros. São novos tempos que nos trazem renovados desafios, outras dificuldades, mas ainda mais oportunidades. Hoje, o casulo de conveniente opacidade judicial que ocultou e protegeu, década atrás de década, um esquivo, anacrónico e intocável verme parasita (corrupção), alimentado à base de interesses e promiscuidades por todos (re)conhecidos, parece ter-se, finalmente, rompido, revelando, enfim, a metamorfose por todos reclamada: desse casulo (cor)rompido saiu não o verme que lá vivia, mas uma borboleta. Uma borboleta que nos renova a esperança e que voa em liberdade. Uma borboleta com asas que se exigem inquebráveis. Uma borboleta sem medos, sem vícios, sem palas.
Desconheço a dimensão e a profundidade do contributo, neste processo metamórfico, da agora ex-Procuradora-geral da República, mas acredito que não seja despiciendo. Nesse sentido, e apenas nesse pressuposto, o tempo esclarecerá se Joana Marques Vidal não era, afinal, Joana Marques “Vital”…

(Foto: “www.Reeditor.com”)

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