Khashoggi e o resto

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Carlo F. Sampaio

Há um sítio argelino de “falsas notícias” muito interessante, o «www.el-manchar.com», sendo que, naturalmente, para entender muitas delas é necessário conhecer o contexto do país. Sobre o desaparecimento do jornalista saudita no consulado do seu país em Istambul produziram uma série de provocações primorosamente oportunas e irónicas. Cito alguns exemplos.
“Daesh denúncia um crime bárbaro e acusa a Arábia Saudita de ser a vergonha do terrorismo internacional”.

“Morte de Khashoggi: A Arábia Saudita apresenta as suas desculpas e promete a partir de agora apenas matar iemenitas”
“Said Bouteflika: Graças a Deus, Mohamed Tamalt não tinha amigalhaços no Washington Post” O primeiro citado é o todo-poderoso irmão do Presidente da República e o segundo um blogger que morreu na sequência de maltratos numa prisão argelina.

E certamente salutar esta indignação mundial com a sorte de Khashoggi e fazer chegar a quem de direito (torto) a mensagem que não vale tudo. A obstinação da Turquia em encostar o príncipe saudita às cordas não é, obviamente, motivada por questões de princípio. É aproveitar o acontecimento para marcar posição e procurar alterar a relação de forças no xadrez do poder regional.

A indignação, sendo positiva, não chega. É pouco se não for acrescentada a situação de tantos outros crimes por “delito de opinião” de quem não tem amigos nos jornais ocidentais ou nalguma confraria influente. É pouco para parar a desgraça que dura há mais de três anos no Iémen, já suficientemente pobre mesmo sem guerra. Como militarmente não está a ser um sucesso, apesar de todo os milhões gastos em equipamento comprado ao ocidente, a tática da coligação liderada pelos sauditas passou a ser atacar as infraestruturas, mercados, barcos de pesca, cortar a alimentação e vencer pela fome. De recordar que alguma vista grossa face ao crime de Istambul é pragmaticamente justificada pelos contratos de fornecimento de armas em curso.

Estima-se existirem no Iémen 400 000 crianças sofrendo de subnutrição severa, três em cada quatro pessoas necessitam de ajuda alimentar, mas tudo estará “relativamente” bem, desde que morram apenas iemenitas sem amigos influentes.

(Foto Jamal Khashoggi “ABC News-Go.com”)

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