Victor Brauner (Roménia,
1903 – França, 1966) – “Frica as Fear”,
Óleo sobre Cartão, Ano de 1950
São como dois totémicos seres transcendentes que formam um círculo e estão postos frente a frente. Um é claramente feminino, representará uma mulher – A Mulher – que fita de forma impávida o seu oponente enquanto da sua cabeça/pescoço se desprende um braço, prestes a asfixiar O Homem. Este baixa os braços por imprestáveis para a brutal tarefa a que se entrega: o estupro da figura feminina, usando um falo com a forma de um cão feroz e possante (ícone da sexualidade masculina), a mais proeminente parte do seu corpo. Em contraposição, da coluna vertebral e deslizando sobre a cabeça da figura feminina, a representação de um gato (ícone da sexualidade feminina) dirige-se ao oponente, acompanhando em paralelo o gesto de preensão do braço que se dirige ao pescoço do violador. A figura masculina simboliza a acção, a iniciativa, a Lâmina. A figura feminina representa a passividade e a resistência, o Cálice. Omnipresentes nas duas figuras, como em toda a Natureza, as grandes pulsões anímicas da sexualidade que alimentam a Vida e a Morte de todos os seres vivos, estão bem patentes perante os nossos olhos.
Da cena estão ausentes todos os juízos de valor que informam a nossa civilização, sejam eles de ordem moral, ética ou estética. O quadro é como que uma constatação da realidade crua e nua da Ordem Natural e dos seus ciclos.
As figuras são planas e muito estilizadas, a cor vermelha do fundo transmite-nos a noção de poder e violência, a decoração é rica em cambiantes e padrões e remete-nos para as Artes Indígenas das Américas, Norte, Centro e Sul, assim como para a modelação característica dos tótemes tribais dessas longínquas paragens.
Victor Brauner escreveu um dia nos seus cadernos de apontamentos aquilo que viria a tornar-se o epitáfio da sua tumba em Montmartre, e que rezava assim: – “Peindre, c`est la vie, la vraie vie, ma vie”. Na realidade, ele viveu para a pintura, pela verdade da pintura e a sua pintura tornou-se a sua vida.
Durante a década de 30 do século XX, principalmente, ele foi um dos grandes pioneiros do Surrealismo, desbravando novos horizontes para o movimento através da exploração de áreas do conhecimento tão díspares como a alquimia, o hinduísmo, a mitologia, assim como as das velhas crenças dos Nativos Americanos (Norte, Centro e Sul), retomando técnicas, inspirações e vocabulários desses mesmos “mundos extintos”. Por se ter de tal forma dedicado a isto, a sua arte foi, pouco a pouco, distanciando-se das iniciais premissas surrealistas e adquirindo grande personalidade. Mais uma vez, cito os seus cadernos de apontamentos onde, a certa altura (1962), ele escreve: – “A minha pintura é autobiográfica. Nela, eu relato a minha vida. E a minha vida é exemplar na medida em que ela é universal…a minha pintura também relata as minhas visões que são primitivas na sua forma e no seu tempo…”
Em 1947, Victor Brauner conheceu Jean Dubuffet e a sua vida e a sua arte mudaram para sempre. Nessa época, Dubuffet lançava as bases da chamada “Arte Bruta”, que se baseava, no essencial, na ruptura total com a Arte Ocidental, no emprego de materiais atípicos como a areia, o vidro, tecidos, etc. (aquilo que hoje designamos como “materiais recicláveis”) e tomando como base de inspiração tudo quanto era “primitivo e incivilizado”, tantas vezes presente nas manifestações artísticas das crianças, dos doentes mentais e, até, de perigosíssimos criminosos detidos em hospícios prisionais…
N.R. – O Autor não segue as normas
do novo Acordo Ortográfico.