É usual ouvir dizer-se “haja saúde que o resto logo se resolverá”. É verdade, sem saúde há descrença e dificilmente concebemos projetos ou ultrapassamos obstáculos.
Contrariamente, quando nos sentimos bem parece que somos donos do mundo. Regra geral, esta é a realidade, se bem que cada um não deixe de encarar a doença como uma fatalidade que a todo o momento lhe pode bater à porta. Daí a preocupação com a diminuição da assistência médica neste tempo de pandemia. Em relação a práticas profiláticas, como é o caso do chamado check-up anual com o intuito de despistar doenças, que boa parte da população não dispensa, até se compreende algum atraso. Porém, tudo é diferente quando sentimos que algo está mal e não conseguimos um médico para nos observar. Pior ainda, é quando há necessidade de tratar doenças crónicas desde há muito acompanhadas e que agora deixaram de o ser.
Quem viveu o tempo em que tudo se tratava com mezinhas, de efeito psicológico e nada curativo, sabe que hoje dispomos de uma assistência médica que ombreia com as melhores do mundo, quer nos domínios da prevenção quer do tratamento efetivo. Se compararmos o hoje com as práticas de há 50 anos, dizer mal do SNS que temos é quase uma heresia. Mas é verdade que ainda estamos longe do ideal e que há insuficiências em muitas áreas, a começar no médico de família para todos. E também é real que a Covid-19 criou insuficiências a juntar às que já tínhamos.
Há dias, um amigo que há muito não era observado por um médico dizia-me que começava a crer nos receios destes em consultar doentes, adiando consultas ou fazendo-as telefonicamente. Pessoalmente, acredito mais na perturbação inerente à pandemia que enfrentamos como justificação para este tipo de casos. Ouvindo alguns clínicos, estes são perentórios na defesa da consulta regular e presencial, já que consideram ser a melhor forma de observar e sentir os males do doente, fazendo um conveniente diagnóstico e a melhor prescrição medicamentosa. Reconhecendo, ainda, a importância da sua intervenção para serenar o doente, sacudindo-lhe receios, quantas vezes infundados.
Aqui chegados, só podemos concluir que o coronavírus veio desarticular, em todos os domínios, a vida das pessoas, inclusive no comportamento social, criando afastamentos, desconfianças e, por vezes, até menor civismo. Há dias ao cruzar-me num passadiço com uma cidadã, com suficiente distanciamento, esta não se coibiu de me repreender pelo não uso da máscara, quanto a mim injustificadamente, até pelo local ermo em que transitávamos. Tal comportamento só demonstra que ainda temos que fazer um longo caminho para saber conviver com uma situação de todo inesperada, que, tudo indica está para durar.
Gonçalo Fagundes Meira