Memórias de vida

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Diz-se que o destino se traça quando por destino se nasce. Mas que dizer do destino que não queremos, mas do qual mudamos para o destino com que se nasce?!

Nasci na freguesia de Monserrate, no dia 16 de fevereiro de 1942 (data do Registo Civil), que minha querida e bem-amada mãe contraria, já que foi no dia 16 de janeiro do mesmo ano, razão pela qual em família é a data festejada.

O destino, quem, de cada um de nós, nele acredita? Eu faço parte daqueles que não somente acredita, como pensa que tudo está escrito desde o nascimento até à morte! 

Anos a estudar na Escola Comercial e Industrial de Viana do Castelo, o 7.° ano para preparar a entrada para o Instituto de Económicas e Financeiras do Porto; depois, abandonar tudo o que adquiri com muitos sacrifícios, para chegar a Vésines, França, no dia 7 de setembro de 1962. Pois, deixar de ouvir cantar o rouxinol na Estrada da “Papanata”, quando saía da Escola à meia-noite com o Campos. Quantas saudades!…

Eu não sou um científico, talvez um pouco literário, próprio de quem tem amor pela poesia. Não me proponho aqui falar de versos agudos, graves, inteiros e esdrúxulos, mas queria citar Guerra Junqueiro, um dos meus principais escritores e poetas: “Ai há quantos anos que eu parti chorando deste meu saudoso, carinhoso lar!”

Ai há quantos anos! A saída para Angola estava a chegar e eu não tenho jeito nem vocação para a guerra. Acontece que, depois de uma reflexão bem madura, sem avisar a família, salvo o meu irmão Jaime – porque foi ele que me obteve a autorização militar de três meses para viajar como turista –, acompanhado pelo meu colega da escola e amigo de sempre, Domingos Campos, o meu destino foi o Porto para dizer adeus à minha madrinha e tia Esperança, que me deu 20 escudos para me ajudar. Daí, com outro rapaz que também frequentava a escola Comercial e morava na Abelheira, de que já não me recordo o nome (a irmã sei que se chamava Clarisse), aconteceu a viagem para França.

Cheguei então a Vesines, nos arredores de Montargis, cidade onde já viviam e trabalhavam centenas de portugueses, todos de Viana: Alvarães, Meadela, etc. Desde a minha chegada, tive a sorte de ser acolhido, com grande amizade e gentileza, pelo meu amigo Cesário, colega da Escola Comercial, e da família Pereira, de Alvarães. Os momentos mais tristes e difíceis da minha vida começaram então a partir do dia 07 de setembro de 1962, data da minha chegada, fundamentalmente pelo frio, com a neve quase sempre presente.

Para permanecer em França, era necessário encontrar trabalho na fábrica Hutchinson, onde a maioria dos portugueses trabalhava. Felizmente, como a comunidade portuguesa beneficiava de uma excelente reputação, um emprego foi rapidamente encontrado. Trabalho de “equipa”, com horários variados, para mim difícil, já que não estava habituado a este tipo de laboração. Outro complicado problema foi o alojamento. A fábrica punha barracas à disposição dos seus operários, onde dormiam quatro por barraca, por vezes no chão. 

No que me diz respeito, logo que ganhei uns francos, comprei alcatifa para embelezar o meu quarto. Lembro-me que, mais tarde, juntou-se a mim o Carlos Montes, que eu ajudei a vir para Vesines e com o qual mais tarde joguei Hóquei em Patins, aqui em França. Mas isto veremos em próximo artigo. Do Carlos Montes, quem dele não se lembra, como excelente jogador que foi no Sport Clube Vianense, na época do Zé Natário. 

Assim, com trabalho e alojamento, o “medo” de ter que regressar a Viana, deixou de existir. Com vida dura, mas feliz por ter evitado Angola e uma guerra inútil e injusta. Aliás, as guerras são sempre inúteis e injustas! 

Continuarei em próximo artigo, porque, 60 anos decorridos, com a saudade sempre presente, tanto há para contar. 

Carlos Reis

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