Memórias de vida (2)

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A minha vida em França desde 1962 

No meu primeiro artigo, terminei dizendo que me sentia feliz porque pude evitar a guerra colonial. É verdade! As guerras são inúteis, e podemos nesta altura medir as suas consequências horríveis, à luz do que vem acontecendo na Ucrânia, com centenas de pessoas vítimas de um ditador que nada o fará recuar na sua “loucura assassina”. Todas essas crianças inocentes que morrem, apenas chegadas à vida, revelam-no!

Voltemos à minha vida em França. Encontrei trabalho, fator essencial para continuar a viver no país de Voltaire, Victor Hugo e muito outros! Na França da Liberdade…

Eu cheguei no mês de setembro, e o meu primeiro choque de saudades foi o Natal de 1962. 

Não posso explicar com palavras a minha primeira tristeza, direi mesmo a minha primeira angústia de passar o Natal fora do meu país, da minha terra, da minha família. Felizmente, neste mundo de “brutos” há sempre um ser humano que aparece na existência de cada um de nós: o tal destino, que foi o que aconteceu comigo!…

A Daria Costa, filha do Sr. Joaquim, polícia que morava no Bairro Jardim e que vivia em Villejuif, perto de Paris, organizava o Natal com os primos e, “milagrosamente” convidou-me para passar o Natal com eles. Um Natal diferente, mas muito parecido com o que eu conhecia em Viana, sentidamente alegre! Nunca mais perdi o seu rasto, salvo quando a Daria foi viver para Ovar, com contactos já mais limitados, devido às vidas de cada um de nós.

Mas o esquecimento por aqueles que me souberam acolher e integrar-me na nova sociedade que escolhi, jamais se verificará. Estarei grato para a vida…

O trabalho na fábrica “Hutchinson” era duro, contudo, o contacto com a comunidade Portuguesa era excelente, muito embora, os colegas de trabalho na minha secção fossem polacos, espanhóis e ucranianos. Durante dois anos sofri como nunca tinha sofrido. Ao fim de dois anos, um diretor da fábrica, de nacionalidade checoslovaca, consultando o meu currículo, teve conhecimento dos meus estudos em Portugal, nos quais se enquadrava a química orgânica, e daí o convite para trabalhar na área laboratorial como preparador, um emprego de outro nível, para mim uma mudança considerável. Nunca me esquecerei que ganhava nessa altura 300 francos por quinzena! Daí que, hoje, possa medir com justeza o caminho percorrido…

Posso dizer que, a partir desse momento, os horários melhoraram substancialmente, permitindo-me uma franca recuperação física. Um dia, um dos meus amigos portugueses, o Joaquim Santos, das “bandas de Alvarães” diz-me: “tu, que estudaste em Portugal, podes aqui dar continuidade aos estudos”, informando-me que, perto de Orleães, em Olivet (Loiret), existia um centro de formação para adultos. Agradeci a informação, registei o contacto e fui à consulta. Aí, o meu entrevistador propôs-me um curso de contabilidade em Monpellier, proposta que recusei, pelo facto desta cidade se encontrar muito afastada do meu ambiente de amizades. Então, submetido a testes psicotécnicos de “Ajustador”, fiquei selecionado, sendo-me permitindo o acesso a esse centro pelo período de seis meses, como aluno interno, com dormida, alimentação e um exame final, no qual, felizmente, saí aprovado. 

A minha vida começou então a melhorar. Com o novo diploma de técnico, pude encontrar uma nova fábrica, agora como técnico de máquinas. E assim aconteceu a minha entrada na fábrica “Rivierre et Casalis”, de fabrico de tratores agrícolas, em Fleury-les-Aubrais, perto de Orleães –Loiret, onde me ocupei durante dois anos. 

Importante foi, igualmente, o meu trabalho na Caixa de Previdência, em Orleães, durante seis anos, como tradutor e interprete de Português/Francês. Mas textos longos originam longas maçadas. Cá estarei brevemente com a terceira crónica das minhas memórias de vida. 

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