Momento político interno

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O mês de Novembro é, para a religião católica, o mês dedicado às almas, ou seja, o mês em que de uma maneira especial recordamos aqueles que já partiram para a eternidade, com destaque natural para os que nos são mais queridos, ou seja, os familiares. No ano em curso, este mês das almas brindou-nos com uma crise política, em resultado da qual o Governo e a Assembleia da República estão de partida para o além, porque já se encontram em coma depois do tiro disparado pelo sr. Presidente da República. Como não são da minha família de sangue nem da família política, assisto ao funeral de longe, desejo que descansem em paz e que os seus espíritos não venham atormentar o país, os cidadãos e os novos órgãos soberanos que os cidadãos-eleitores elegerão no próximo ano.

Era praticamente absurdo pensar-se que os órgãos soberanos depostos correriam o risco de cair, considerando não só a maioria sólida de um Partido ganhador, como também a simpatia e o apoio natural dos Partidos situados à sua esquerda. Todavia, o inesperado aconteceu com estrondo, por causa, ao que se diz, de duas ou três palavras de um comunicado com três linhas da Procuradoria-Geral da República. Na verdade, ninguém pode afirmar que está seguro, porque o certo rapidamente se pode tornar incerto e lá se vão os sonhos de uma vida. Aquilo que os socialistas cozinharam, para oito anos seguidos de poder absoluto em família, gerou uma hemorragia gástrica, abrindo as portas a uma transfusão de sangue para um novo sonho, uma nova vida para o país de todos nós. E, com mais ou menos sangue novo, venha ele de que quadrante político vier, acredito que este país vai seguir em frente, porque esse é o seu desígnio e porque a democracia tem soluções.

Por causa desta situação inesperada, Portugal passou a viver numa situação de crise, a maior desde o 25 de Abril de 1974, segundo os entendidos. Para além de ficarem adiadas algumas possíveis soluções de problemas estruturais, que já vêm de longe, confesso que não vejo nenhuma crise especial, porque o país fica com uma Lei do Orçamento aprovada, continua vivo, as pessoas trabalham, as instituições internacionais continuam a confiar em nós, as empresas laboram naturalmente e tudo continua sereno, sem golpes nem militares na rua. Não vejo, pois, onde esteja “a mais grave crise desde o 25 de Abril 74”. 

O grande problema com as eleições é, para a esquerda política, o número de deputados que o Partido Chega poderá obter. É curioso ver como todos os Partidos andam com medo do seu crescimento, que, sejamos honestos, só reflecte o estado de desilusão que se apoderou de grande parte dos eleitores, que se revêem neste Partido para os representar. Eleitores que desejam mudança de políticas e de políticos, cujos deputados representarão, por direito próprio e inalienável, a vontade dos cidadãos que lhes confiarem os seus votos, o que tem de ser tido em conta, goste-se ou não. A esquerda vive obcecada por derrotar a direita e é esta obsessão que a faz percorrer o país, espalhando o medo e distribuindo ilusões. 

O medo ao Chega tem alguma similitude com o medo ao terrorismo, no que diz respeito à publicidade, porque precisam dela. O terrorismo, para vingar, necessita do apoio da população e, sobretudo, da comunicação social para se tornar conhecido, praticando para o efeito acções monstruosas que o traz para a ribalta mundial e o torna temido. Porém, o Chega não come criancinhas nem mata velhinhos para ter o apoio mediático e se manter na ribalta política, porque são os próprios adversários da esquerda, do centro e da direita  –   ingénuos e levados pela cegueira  –  que todos os dias lhe conferem importância social, falando menos de si próprios do que do Partido em questão e oferecendo-lhe a publicidade gratuita, servida em bandeja de prata.

Acredito que se o partido Chega atingir um número de deputados que lhe permita ser o fiel da balança para a formação de um governo de maioria absoluta, até considero isso positivo, para que outras ideias possam ser avaliadas no jogo legislativo e executivo. Não foi assim que aconteceu com o governo da geringonça? Teve, porventura, mais legitimidade do que um governo que possa formar-se com o apoio do Chega? Não estamos numa democracia? Deixemo-nos de falsos pudores, sejamos realistas e encaremos os factos de frente e sem medos. É este o grande medo dos Partidos e é por isso que lhe chamam a mais grave crise desde o 25 de Abril de 1974.

Não sou militante do Chega, mas se o centro-direita na Assembleia da República necessitar do seu apoio para formar um governo estável, só espero que o partido mais votado dê esse passo, sem complexos, porque é o povo que pede mudança de rumo. E se o PS voltar a ganhar, é porque os eleitores assim o desejam e todos respeitaremos essa vontade. Ser democrata é aceitar com naturalidade a vitória e a derrota, sem necessidade de ódios.

Em campanha eleitoral interna no PS, já se confrontam no terreno, pelo menos, três candidatos, para que um deles seja eleito Secretário-Geral e futuro Primeiro-Ministro. Como só tenho memória de dois, que foram governantes, diria que Pedro Nuno Santos anda deslumbrado com a possibilidade de ser eleito, aparentando uma personalidade tipo José Sócrates, numa versão mais moderna, sempre de peito feito, um autêntico animal à solta (sem ofensa), não oferecendo estabilidade mental no domínio das emoções e dos seus impulsos pessoais e políticos, nem rigor nos procedimentos. Isso viu-se enquanto foi Ministro, em que por vezes agia como um cata-vento. Quanto a José Luís Carneiro, parece ser uma pessoa mais cordata, mais rigorosa, não se deixando levar por reacções a quente, oferecendo a imagem e o perfil de um político estável que pensa bem antes de agir. Se eu fosse militante do PS dar-lhe-ia o meu voto.

Os restantes Partidos estão, também, em pré-campanha eleitoral e muito trabalho têm de desenvolver, porque a credibilidade nos líderes anda, em geral, baixa, faltando verdadeiros estadistas, o que não deixa de ser um deficit político muito preocupante. Havendo a tendência para dizerem mal uns dos outros, melhor será que se concentrem nos problemas estruturais do país, que se respeitem mutuamente, que tragam ideias frescas e que não se esqueçam de que está em jogo o futuro do país.

Com as novas eleições marcadas para Março do próximo ano, esperemos que esse mês do início da Primavera nos traga a todos um novo fôlego de vida renovada, e enterremos os órgãos de soberania que o mês das almas nos apresentou. 

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