Por natureza, os criadores culturais são os povos e esse é o motivo pelo qual os grandes artistas se inspiram nas suas culturas, formas de vida, sensibilidades e histórias particulares. O grande valor universal não reside nos rasgos estéticos das obras, mas sim nos sentidos, valores e relações sociais.
Sendo a cultura uma área importante da economia actual, o capital simbólico das sociedade está rendido ao mundo dos negócios, o que quer dizer que hoje o mercado dirige a produção e circulação de bens simbólicos e a lógica do lucro revela-se na via dos cidadãos. De facto, este câmbio cultural é o mais significativo das últimas décadas.
Imaginários envenenados, criatividade adormecida, falta de sentido de civismo ou mentes depressivas face ao consumismo, constituem problemas de que todos padecemos e que sem dúvida devem tratar-se com urgência.
Os meios de comunicação, especialmente a televisão, produzem valores relacionados com o consumismo, competência, individualismo, triunfo dos mais fortes e indiferença dos débeis. E isso é tudo menos ética e cidadania.
O desafio consiste em sensibilizar os cidadãos, que cada vez mais se encontram hipnotizados nas suas casas pela televisão ou computador, para os seus imaginários e identidades, e estimulá-los a reconhecer a plenitude do seu ser na relação com outros. A vida quotidiana da cidade vive dos cidadãos, do enredo das suas relações sociais, da sua cultura, dos espaços públicos e privados, dos seus edifícios, dos seus monumentos. É isso o que dá sentido e identidade a um povo, o que deve ser reflectido na expressão artística e cultural.
Mas enfim, todos somos em parte cidadãos e em parte consumidores, porque a cultura é a mistura destas duas lógicas culturais: a lógica do lucro, que se preocupa com a acumulação de capital e por isso nos instrui como consumidores dóceis; e a lógica guiada pelo que os gregos assinalaram como o núcleo dos valores: a ética do público, que supõe pensamentos de solidariedade e responsabilidade social, como parte indispensável da formação da liberdade individual e formação de cidadãos críticos… Pois bem, os cidadãos de Darque deram orgulhosamente o exemplo de como a cidadania e a ética do público persiste.
Desafiaram o comodismo e o individualismo de esperar que “alguém” tomasse a iniciativa. Impuseram-se ao consumismo e numa atitude mecenas deram voz aos valores locais face aos globais, revitalizando o orgulho da terra e das suas gentes.
O homem do rio, representado pela mão do Salvador Vieira (artista), tornou-se já um símbolo, eu diria mesmo um ícone da identidade cultural de Darque, do sentido e do valor das suas memórias e suas gentes. Este verdadeiro acto de inteligência, de solidariedade e responsabilidade social, de cidadania e de ética do público, foi levado a cabo por um grupo de cidadãos anónimos e altruístas darquenses. É sem dúvida um acto digno de um merecido reconhecimento público e, indiscutivelmente, uma mensagem que nos remete para uma reflexão. Será esta a expressão consciente dos valores e bens simbólicos, por vezes esquecidos e literalmente à margem das decisões?
É caso para dizer: o Homem do Rio deu uma lição ao homem da cidade!
Mário Guimarães