Mundo caótico

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Europa, é mais cómodo distrairmo-nos dos dramas e das tragédias bárbaras, como se nos não dissessem respeito, julgando-as longínquas, recusando qualquer alarme como despropositado ou doentio. Não tomando conta dimensão global dessas tragédias, esquecendo as consequências diretas ou indiretas que terão sobre nós, esquecemo-nos, também, de que, mais cedo ou mais tarde, elas podem bater-nos à porta, generalizadas pela geopolítica.

Horrorizam-nos as barbaridades cometidas pelo Hamas contra Israel, como nos horrorizam, também, as perspetivas de desmedidas e desumanas retaliações de Israel em Gaza. Horrorizam-nos as lembranças do Holocausto, do irracional ódio nazi contra os judeus, mas horrorizam-nos, também, as injustas condições políticas e económicas a que o povo palestiniano tem sido subjugado por Israel, ao longo dos anos, perante a hipocrisia das grandes potências e das opiniões públicas, que, por interesses mesquinhos, não fazem cumprir as decisões das Nações Unidas.

Não imaginávamos que o povo ucraniano pudesse, de um momento para o outro, ser invadido e martirizado pelas ambições bélicas da Rússia. Horrorizamo-nos pela devastação das cidades e das infraestruturas ucranianas e das centenas de milhares de mortos russos e ucranianos numa luta irracional. Horrorizamo-nos pelos gastos financeiros que estas guerras acarretam, que alimentam indústrias de ódios, com recursos que deviam ajudar a resolver a fome de milhões de seres humanos. Horrorizam-nos tantas outras tragédias, que procuramos esquecer, como o tratamento que é infligido às mulheres no Afeganistão e no Irão, como as pessoas, incluindo crianças, que morrem, aos milhares, afogadas no Mediterrâneo, ou na tentativa de passar a fronteira dos Estados Unidos, na perigosa aventura de procurar comida, trabalho e segurança a que têm direito como seres humanos. Custa-nos a compreender como dezenas e centenas de milhares de gentes, famílias inteiras com inúmeras crianças, se aventuram, sem quaisquer recursos, ao redor das fronteiras da Europa e dos Estados Unidos, por terra ou por mar, fugindo das guerras, das perseguições políticas, da fome, procurando alguma segurança, algum futuro que lhe é recusado na terra natal, mas sabendo que a Terra é de todos e para todos. 

Horroriza-nos saber o que se passa em tantas regiões do mundo, no Oriente, em África, na América, onde as populações, aos milhões, carecem de vida digna, sobrevivendo sem habitação (em campos de refugiados), sem condições alimentares, de saúde, sem instrução, sem liberdade de expressão e até de culto religioso, dominadas pelos interesses de minorias de senhores poderosos, ambiciosos de poder, de enriquecimento e de desafogo sem limites. 

Horroriza-nos ver como os que se consideram responsáveis deste mundo, dando prioridade aos restritos interesses do seu espaço de poder, receosos de o perder eleitoralmente, são incapazes de resolver seriamente os grandes interesses globais, e incapazes de convencerem os mais favorecidos de que é necessário restringir ambições para obter maior equidade no desenvolvimento económico, social e cultural. Assim, o mundo vai-se dividindo, cada vez mais violentamente, entre os que podem, e ainda protestam e os que não podem e são tentados pelo ódio. 

Recentes informações estatísticas das Nações Unidas dizem-nos que são, atualmente, dois biliões e trezentos milhões as pessoas a viver em insegurança alimentar.

As perturbações climáticas são tão evidentes que quase não merecem referência: cheias e secas incontroláveis, desorganizando as expetativas agrícolas, arrasando cidades. Os glaciares fundindo-se e fazendo subir os oceanos, que vão devorar ilhas e povoações costeiras. Mata-se a diversidade do mundo animal, devastam-se as grandes florestas tropicais, os pulmões do mundo. Tudo isto e muito mais porque o mundo se desenvolveu.

Todas estas tragédias estão interligadas, por sistema global. Têm a mesma origem humana (os seus princípios morais de gestão) e as mesmas origens materiais. Os (ditos) responsáveis pelo mundo, desde há décadas que procuram definir as verdadeiras causas e procurar soluções. Em 1972, há 50 anos, pelo designado “Clube de Roma”, solicitaram a uma equipa de cientistas do MIT (Massachusetts Institute of Technologic) um relatório sobre a situação ecológica mundial. O relatório concluía com o célebre “Limites ao Crescimento”. A economia estava a entrar em crescimento exponencial, em que os fatores cresceriam em aceleração exponencial, que a longo termo, teria de ser insustentável. A industrialização (o mito tecnológico), o crescimento demográfico e o limite dos recursos terrestres conduziriam ao desastre ecológico. Porque as medidas necessárias não convinham às ambições dos poderosos, o mundo foi caminhando para o caos. Cinquenta anos passados, Dennis Meadows, leader do grupo científico que produziu as conclusões do “Limites ao Crescimento”, interrogado, recentemente, sobre o que pensava da atual situação, respondeu: «entramos num período de explosão de crises”.

Não havendo mudanças profundas e responsáveis nas nossas sociedades, o mundo entra numa globalização de ódios em que se suicida. Já tem as armas capazes, a derrocada ecológica, o cinismo populista e a tecnologia nuclear. Se não travamos os ódios (e as invejas) com ambições de ordem moral, a humanidade, do presente caos (explosão de crises) destrói-se a si mesma. Os jovens, mais que os adultos, estão pressentindo esta situação, com razão, porque o futuro são eles. Não desprezemos as boas aspirações dos jovens.

José Veiga Torres

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