Nas origens de Viana (2)

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  Tratem-me por Antero. Meu pai, Joaquim Terroso, dizia-me que vocês convivem mal com etiquetas. Antes cultivam um estilo de relacionamento a primar pela naturalidade e pelo companheirismo. Mas, Viana, acrescentava o meu progenitor, era assim no seu todo: uma cidade pacata, de boa recetividade e muito solidária. Parece que este sentimento já era partilhado pelo meu avô. – Todos dizem, acrescentámos. Nada como ser fraterno na relação entre pessoas. É também uma prática das gentes da nossa Aurora, concluímos.

Rumamos até ao Largo das Almas (Praça Frei Gonçalo Velho), conforme tínhamos programado no nosso último encontro. Combinámos não nos quedarmos em lado algum. Se queríamos aproveitar bem o tempo, assim teria que ser. Era sábado de manhã e o movimento, como de costume, era animado. Escapámos à Praça da República, onde depararíamos com muita gente conhecida. – Sabem, não quero de forma alguma perturbar o roteiro que estabelecemos. Meu pai Joaquim quase nunca chegava ao local destinado, ficava sempre a meio do percurso. Saudava toda a gente e, como palavroso que era, perdia-se em cavaqueiras infindáveis, a alimentar questiúnculas para dar livre roda à sua teimosia. Não vale a pena falar no assunto, porque vocês conheceram-no muito bem. Sorrindo, anuímos com a cabeça.

Caminhando por artérias desérticas e “aportamos”, quase sem dar por isso, à porta da Capela das Almas. Sentados no murete que circunda o espaço, recuperámos forças da apressada caminhada. Mas Antero não estava disposto a perder tempo. Para espreitar a capela não dava, porque estava fechada, por isso ei-lo a questionar-nos. – Então foi com referência a este espaço que, em 1258, o Bolonhês deu foral à Vila de Viana? – Está bem informado amigo Antero! – Tal como meu pai costumava fazer, tanto mais que não tenho o conhecimento dele, procurei documentar-me minimamente. Na papelada que dele herdei, deparei com uns boletins de Santa Luzia e, no de agosto de 1971, pág. 4, num trabalho de Maria Augusta Alpuim, constatei que este assunto está devidamente tratado. Conheceram esta Senhora? Dissemos que sim, e o convite surgiu de imediato: podem falar-me dela? – É evidente, Caro Antero.

– A “Miguta”, tal como carinhosamente era tratada, destacou-se pela sua forte intervenção social na nossa cidade. Mulher de boa formação cultural, de escrita arejada e até interventiva no plano político, já que foi Vereadora e, acidentalmente, Presidente da Câmara Municipal, imediatamente a seguir à revolução de abril. Individualmente ou em parceria, editou alguns livros, entre eles “Casas de Viana Antiga”, “A Sé Catedral de Viana do Castelo” e a “Montanha Dourada”. Esteve presente nos primórdios da edição dos “Cadernos Vianenses” e “Cadernos CER (Centro de Estudos Regionais).

– Se me dão licença, basta-me. Não precisam de dar-me mais informações. Agora compreendo porque tanto escreveu sobre a nossa cidade nos boletins de Santa Luzia. Então, na sua escrita, disse-nos ela que, em 1253, indo D. Afonso III em peregrinação a S. Tiago de Compostela, ao encontrar no seu caminho este pequeno e belo povoado de Atrio, de abundante luz e encostado à montanha, de onde era possível avistar a terra e o mar, lhe pareceu indicada para atribuição de foral. Tal verificou-se em 18 de junho de 1258. Nele dizia: “Eu D. Afonso III, Rei de Portugal e Conde de Bolonha, faço saber que concedo aos habitantes de Viana quanto possuo e posso por direito vir a ter na mesma vila e seu termo, em quanto que os nobres estiverem a favor dos Infanções (classes que compunham a nobreza – século XII) em todo o meu Reino; e isto para não terem, senão a mim, minha mulher e filhos segundo o direito hereditário para sempre”. – E assim nasceu Viana, não é verdade?

 – É verdade, caro Antero. Até prova em contrário, que até hoje não surgiu, o foral atribuído a esta cidade, onde o belo prospera, os poetas a poetizam e os melodiosos a cantam, foi da responsabilidade do nosso quinto rei, da primeira dinastia, o Bolonhês, cognome que lhe foi atribuído porque casado com Dona Matilde, condessa de Bolonha.

– Ah, mas, sobre esta matéria, pelo que nos diz a “Miguta”, há outras considerações. – Sim, mas isso fica para outros diálogos. – Até lá, então. 

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