Com mais ou menos intervalos, apenas por razões meramente logísticas, os passeios afirmam-se e estimulam a rapaziada participante. Zulmiro Mendes, aposta em fazer esquecer Joaquim Terroso, que teima em não sair da capital, enquanto não fizer vingar a sua ideia do casamento do neto Constantino. Zulmiro, que diabo! arregimenta gente em demasia, tornando o grupo barulhento e pouco participativo. Como se trata de gente ligada ao mar e idosa, de fadiga fácil, apostámos mais uma vez num trajeto curto. Caminhámos até à Praia Norte, para de seguida rumarmos à Praia do Coral. Aí chegados, apesar de muito pouco se ter falado, para evitar desistências, já o cansaço tinha tomado conta de todos. Zulmiro, que tinha feito das tripas coração para não dar parte de fraco, entusiasta, animava todos, mas ninguém dispensou uma avantajada paragem no café Coral, para beber água e retemperar forças.
Enquanto o grupo, descontraidamente, se refresca, Zulmiro, um pouco para animar, pergunta a todos qual a razão da denominação de Praia de Coral daquele minúsculo areal, que resultou da construção de novos molhes para a mudança do porto de mar para a margem esquerda do Lima
– Não sejas idiota, Zulmiro, responde-lhe Zé Castanheira, então não foi aqui que encalhou o navio de nome “Coral Bulker”, propriedade de um armador de Hong Kong. E aconteceu em fins de dezembro de 2000, já lá vão quase 22 anos.
Zulmiro não gostou de ser apelidado de idiota e, bem no fundo de si, dever ter sentido vontade de excluir Castanheira do grupo, penitenciando-se por o ter convidado, tanto mais que sabe bem da sua vontade de “armar ao pingarelho”, mas agora nada havia a fazer. Teria era que não lhe dar azo a novos insultos. Só que esta gente do mar, em contendas de retórica, não gosta de ficar por baixo. Vai daí, Castanheira dispara mais novidades, coisas de que ninguém se lembrava, porque o tempo ido é longo.
– Se me dás licença Zulmiro…
–Não te dou licença, não, Castanheira…
Olhámos para os dois e apaziguamos os ânimos para evitar males maiores. Castanheira, orgulhoso por falar, debitou mais algumas considerações, terminando com algo que o grupo considerou de pouco interesse, mas que se registam para memória futura, como agora se vem dizendo para tudo e mais alguma coisa.
– Sabem, o “Coral Bulker”, de pavilhão chinês e com uma carga de madeira proveniente de Talin, Estónia, devido ao mau tempo, manifestou dificuldades junto à barra, na madrugada do dia 26 de dezembro de 2000, acabando encalhado no fundo, bem rochoso, junto ao molhe, de que resultou um rombo no casco.
Zulmiro estava a ficar irado. Por isso, antes que o mal-estar se aprofundasse, propusemos o regresso ao ponto de partida, com passagem pelo Bairro dos Pescadores.
Ao passar pelo bairro, com todos meio amuados pela contenda entre Zulmiro e Castanheira, com pouca vontade de falar e desejosos de chegar a casa, fez-se paragem curta. Aí Zulmiro Mendes, por antecipação, não permitiu que Castanheira se exibisse.
– Sabem, este bairro foi inaugurado em 1950. Aqui houve festa rija. Vou mostra-vos uma foto dos arquivos da Marinha que mostra a satisfação dos pescadores e famílias no dia da inauguração. Este bairro enquadrou-se num plano do Estado Novo para a construção de casas para todos os pescadores do país, ideia do Almirante Henrique Tenreiro, um homem do sistema, mas muito amigo dos pescadores, sempre ativamente ligado a estes. Um dia haveremos de falar dele, porque disso é merecedor. Em 1967, estavam construídas 2454 moradias de cariz económico para pescadores, cobrindo quase todas as povoações do litoral. Os bairros eram airosos, bem organizados, mas as casas eram pequenas. Apresentavam-se com o tipo A e B, com ou sem quintal, conforme a dimensão das famílias e os seus rendimentos.
Zulmiro estava apostado em mostrar conhecimento, mas a zanga com Castanheira e o cansaço de todos, obrigou a dar por finda a sua curta palestra. “Fica para outro dia, Senhor Zulmiro”, dissemos-lhe. Anuiu com a cabeça e todos, meio-aborrecido, se afastaram.