No centenário do Elevador de Santa Luzia

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Defensor Moura

Nas comemorações do centenário do Elevador de Santa Luzia, ao ver a exposição no Jardim das Tílias e, principalmente, ao ler a excelente brochura preparada pelos Drs. Rui Faria e Manuel Brázio, senti-me culpado por me ter sempre preocupado mais com a execução das obras e das ações, do que com o registo das diligências feitas para as conseguir realizar, e por não ter andado a plantar placas em todos os cantos por onde passei, para facilitar o futuro  trabalho dos narradores das pequenas histórias e dos próprios historiadores.

Quem viu e leu, ficou certamente com a ideia de que em 2005 foi da CP a iniciativa de entregar o Elevador ao Município, o que na realidade não corresponde à verdade.

Aliá se houvesse esse propósito, a administração da CP já teria satisfeito a vontade do meu antecessor que, como agora soube, já teria pedido durante o governo de Cavaco Silva a transferência da propriedade do elevador para a Autarquia, mas, tal como na frustrada tentativa de conseguir financiamento para demolir o Prédio Coutinho que também queria, ficou-se apenas pelas boas intenções.

Não tendo qualquer pretensão de ser historiador, apenas aqui quero registar o que me lembro de se ter passado diretamente comigo.

Como foi dito, depois de ter sido propriedade privada, o Elevador de Santa Luzia tinha sido explorado por curtos períodos pela Câmara Municipal e acabou por pertencer à CP – Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses que, no final dos anos 80,  o concessionou a uma empresa privada, tendo tido sempre um funcionamento muito irregular por requerer regulares obras de conservação e manutenção dos equipamentos, com custos que nem a longínqua administração da CP, nem os privados estavam sempre dispostos a assumir, suspendendo o seu funcionamento por períodos mais ou menos longos.

Era isso que estava a acontecer nessa última década do século XX em que o concessionário o punha a funcionar quase só no verão, ou fazendo uma ou duas viagens nos domingos de bom tempo e, na fase final da concessão, suspendendo praticamente o seu funcionamento porque o Elevador estava a requerer um vultuoso investimento, para a substituição dos cabos de tração e outras obras de manutenção.

Como tive oportunidade de escrever no meu primeiro livro da série” O meu (des)encontro com a partidocracia”, quando em 1994 cheguei à liderança da autarquia e quis intervir a sério no Monte de Santa Luzia verifiquei que estava completamente manietado.

A estrada para o monte pertencia à Junta Autónoma das Estradas, o Elevador pertencia à CP, ambos tutelados pelo Ministério das Obras Públicas, a Carreira de Tiro e envolvente pertenciam ao Exército sob tutela do Ministro da Defesa, a Citânia era gerida pelo IPPAR tutelado pelo Ministério da Cultura, o Hotel ao Turismo tutelado pelo Ministério da Economia, a vasta área florestal ao Ministério da Agricultura, com uma pequena parte pertencente à antiga Mocidade Portuguesa Feminina tutelada pela Secretaria de Estado da Juventude (presidência do Conselho de Ministros), e como o Ministério do Ambiente também metia o bedelho em tudo o que eram áreas protegidas, afinal a Câmara Municipal não mandava em nada. 

Nada mesmo, porque o restante pertencia a muitas centenas de proprietários privados e, principalmente, à Confraria de Santa Luzia! 

Lembro-me de, na altura, ter chamado à autarquia o representante do maior proprietário, o meu velho professor de Religião e Moral, o então Cónego da Sé Padre Constantino de Sousa, para lhe expor as minhas ideias para revitalizar o Monte de Santa Luzia e de lhe sugerir a realização de uma reunião conjunta de todas as entidades com tutela sobre o monte, para tentar o envolvimento geral na reabilitação de tantos espaços abandonados ou subaproveitados da Montanha Dourada (como lhe chamou a Maria Augusta Alpuim).

Nunca mais me esqueci da resposta do Padre Constantino, um sábio conselho que depois segui nesse e em muitos outros assuntos que tive de resolver na autarquia:

Não te metas nisso Defensor. Ninguém abdica da tutela da sua capelinha, por mais pequena que seja. E todos juntos resistem ainda mais, tal como na parábola dos sete vimes que o velho Pai apresentou aos filhos!

Tentei, por isso, recuperar passo a passo para a autarquia o que o meu coração de vianense sentia que legitimamente nos pertencia. 

E, assim, aproveitei a primeira oportunidade em junho de 1996, durante a realização em Viana do Castelo do “Governo em Diálogo” em que, entre muitas outras coisas, consegui o compromisso do Primeiro Ministro António Guterres e do Ministro João Cravinho, da transferência para a Câmara Municipal da Estrada e do Elevadora de Santa Luzia (logo que terminasse a concessão).

Na mesma altura desbloqueei a libertação do terreno traseiro da estação da CP e do ramal ferroviário para o campo da Agonia, onde depois construímos o Interface/Centro Comercial e a rua do BC9 para o campo.

Depois de terminada a concessão em 2001, como não tínhamos dinheiro para tal, ainda andei uns anos a tentar que a CP ou o Governo fizessem a reabilitação profunda de que o Elevador tanto precisava, mas a instabilidade dos governos Durão Barroso/Santana Lopes/Portas e com a insegurança das administrações da CP, acabei por aceitar recebê-lo no péssimo estado em que estava, antes que eles decidissem vendê-lo a um qualquer aventureiro feito empresário para “ganhar uns fundos europeus”, como  comecei a perceber que era intenção de alguns governantes/administradores/delapidadores da coisa pública.

Finalmente, depois de laboriosa busca de eventuais fontes para tão avultado investimento, em 2005 conseguimos um substancial financiamento comunitário (numa candidatura conjunta com um município galego que também tinha um troço de ferrovia para reabilitar) e, com uma comparticipação da autarquia, lançamos o empreendimento orçado em mais de 2 milhões e 400 mil euros para remodelar completamente “dos pés à cabeça” o quase centenário Elevador de Santa Luzia, dando satisfação aos milhares de vianenses que constantemente nos requeriam a sua reentrada em funcionamento.

Obras que incluíram a substituição das velhas carruagens por outras mais modernas e com maior lotação, a completa reconstrução dos 660 metros do piso de assentamento dos carris e dos muros laterias, com construção de um passeio lateral com piso antiderrapante e corrimão de apoio ao longo de todo o percurso, uma renovada instalação elétrica e um novo e mais potente motor para puxar as carruagens, com sistemas de segurança com deteção de obstáculos, além da reabilitação e modernização das estações  e, também, a reconstrução da ponte pedonal de atravessamento da via, que tinha sido destruída e que a autarquia obrigou o empreendedor do edifício Encosta do Elevador a executar.

Segundo foi dito, desde essa retoma de atividade em 2007 o emblemático Elevador já transportou 1 milhão e 600 mil passageiros em 15 anos. É obra!

É evidente que tão complexo e tão utilizado empreendimento mecânico requer manutenção constante e substituição regular de equipamentos, nomeadamente dos cabos que tracionam as carruagens cujo desgaste foi, tanto quanto percebi, a principal causa da paragem que antecedeu a justificadamente pomposa comemoração do centenário.

No panfleto distribuído foi afirmado que o Elevador de Santa Luzia era o mais longo do país mas não foram registados os percursos dos outros funiculares existentes em Portugal, para que se tenha uma noção mais expressiva das diferenças:

Enquanto o nosso Elevador vence uma distância de 650 metros, o funicular da Nazaré tem um percurso de 310 metros, o do Bom Jesus de Braga percorre apenas 274 metros e, em Lisboa, o Elevador da Bica tem um percurso de 283 metros, o da Glória não passa dos 265 metro e o da Lavra apenas 188 metros, enquanto o Funicular dos Guindais, no Porto, proporciona aos visitantes uma pequena viagem de 281 metros.

Para que se saiba e para que os vianenses tenham mais orgulho no que tem na nossa terra e tantas vezes desvalorizam!

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