Um ritual que recordo das festas de Natal da minha infância era a ida à igreja, na altura por obrigação da minha mãe. Eu e todos os meus irmãos, unidos num espírito de grupo, cumpríamos e marcávamos presença na missa do Galo e na de dia 25 de dezembro.
A Ceia de Natal da família era habitualmente em nossa casa . A lareira – uma grande pedra em granito pousada no soalho -, esta acesa e ardiam os canhotos , que permitia cozer as batatas, num pote de ferro.
Havia ainda uma outra pedra mais estreita – padieira – que lhe servia de apoio, e onde eram colocadas as panelas para cozinhar as outras iguarias da Ceia.
À direita, o forno de cozer a broa; à esquerda, o lava-loiças também em granito e, logo por cima, um louceiro em madeira de pinho, com prateleiras e bilros para enfiar os pratos lavados.
O fumo saía por entre as telhas e ripado do telhado. Não havia teto, nem propriamente uma chaminé! Era a cozinha daquela época.
Na sala, construía-se o presépio. Ali se dispunham os três reis magos, o grupo de pastores, as ovelhinhas em rebanho, a represa, os pequenos regueiros ou riachos, todas aquelas figuras, por aqueles carreiros feitos em serrim pelas montanhas santificadas construídas em musgo verde. O Menino Jesus, gorduchinho e bom “em palhinhas deitado” e a Sagrada Família. Não faltava a vaca e o burro com os seu meigos olhares naquela cabaninha erguida com muito amor e carinho pelas mãos ingénuas e puras de seis crianças (eu e meus irmãos), e a fechar a estrela prateada que significava o atalho que todas aquelas figuras tinham de seguir para encontrar o Menino Jesus nascido.
A simbologia do Natal, à época, era patenteada por presépios e não por pinheirinhos. Era uma alegria.
A família juntava-se. Chegavam familiares que trabalhavam noutros locais do país. Seguiam-se abraços e beijos e a casa enchia-se. Na cozinha não havia mãos a medir! As mulheres tratavam de tudo.
O bacalhau demolhado. As tronchudas e as couves-galegas eram escolhidas pela minha mãe na “leira”, quintal que possuíamos perto de casa e que cultivávamos junto à escola primária de Vila de Punhe.
A doçaria, essa, também era a minha mãe que preparava com os ovos das galinhas do nosso galinheiro.
Já as nozes, amêndoas, figos eram guardados pelo meu pai para serem introduzidos no sapatinho/chanca de cada um de nós – filhos, que, no fim da ceia, colocávamos na padieira atrás referida, aguardando ingenuamente a visita do Menino Jesus durante a noite. Não me recordo de se falar em Pai Natal…
Enquanto não se dormia contavam-se histórias. Lembravam-se os que partiram e outros natais…a vida de cada um, em amena cavaqueira durante o serão. Não havia luz elétrica, só candeia e vela e o ardente desejo de que chegasse breve a manhã que nos traria apenas as guloseimas que o meu pai guardara. Uma noite de Natal tipicamente minhota.
Na mesa, a minha mãe estendia a melhor toalha. Ao lado as terrinas, travessas e talheres, os pratos, malgas, canecas de barro branco pintadas às listas azuis do antigo e usado armário lá de casa.
— “A comida está pronta!…Vamos. Todos pr’a mesa!…” A ordem vinha da cozinha! “Vamos que frio não presta!”.
Na lareira ardiam os canhotos. Ao lado, as pinhas mansas que depois de queimadas ou chamuscadas se abrem para recuperar os pinhões. Pairava um cheirinho a resina. Entretanto, o bacalhau chega a mesa, os ovos e os legumes/hortaliça. – “Tanta hortaliça”!…
O molho de azeite fervido com alho e o vinho verde tinto caseiro nas canecas bojudas. Altas às riscas, que o frio já lhes tinha dado a volta.
Depois vinham as rabanadas de vinho verde da nossa safra e o leite-creme confecionado com o precioso líquido oriundo das vaquinhas do “tio Joaquim Puxa”.
Comiam-se os doces e não se levantava a mesa. – “Fica para os anjinhos e as alminhas comerem durante a noite”, dizia a minha mãe. Se quiserem claro! (que tenham bom proveito).
Assim ditam algumas das tradições do Alto Minho, da minha aldeia, da aldeia onde nasci.
A meia-noite aproxima-se e tínhamos de ir para a cama. Os sapatos já lá estavam todos à espera do Menino Jesus em cima da padieira. No dia seguinte, toca a acordar pressurosos para ver o que havia no sapatinho – eu e meus irmãos sem grandes surpresas, amêndoas, nozes e figos…era o costume.
Só que naquela época ninguém sabia o que lhe tocava. O meu pai guardava o que tinha comprado, em segredo, para nos surpreender.
É tempo de respirar bem fundo. É tempo de Natal. Juntam-se amigos e fazem-se jantares alusivos, agora que os meios são outros. Que bom seria se fossem todos os dias, dias de Natal com… PAZ, AMIZADE E AMOR!
Éramos, apesar dos fracos meios financeiros, da escassez de muitas coisas, tão felizes naquele tempo, já lá vão mais de 60 anos.
Este ano também será diferente. Para todos um Santo Natal e um Feliz 2021.