Notícias da saudade da Festa, com as Quadras d’Agonia

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As quadras contam histórias. Porque não refletir sobre as Festas d’Agonia de 22, com as quadras ganhadoras do concurso Quadras d’Agonia – 22, deste jornal, à mesa renascida de um Café Américo que faço regressar?

Assim, com a quadra de Valéria Ferraz, classificada em 12.º lugar, a Saudade marca o tom das festas:

A saudade é o que resta | Quando acaba a romaria | Só fica o cheiro da festa | Que levamos d’Agonia.

Na verdade, seja pela falta da Romaria durante a pandemia, seja pelo que por si valeu neste ano de 2022, a saudade restou. E o cheiro agradável que a Festa deixou no ar que respiro, levou-me a escrever o meu sentimento. As Festas d’Agonia de 22 fizeram-me sentir que a Festa voltou em grande porque, como nos disse Aurélio Fernandes, com o seu 7.º lugar:

A Senhora d’Agonia | Voltou à rua de novo, | Há três anos que a não via | Tinha saudades do povo!

Porque “A quem muda, Deus ajuda”, pequenas mudanças, em relação a anos anteriores, me saltaram-me à vista. À frente as descrevo. Cerca de um milhão de romeiros é obra. Como vianense disso me orgulho. Que o futuro de Viana com isso se construa. Saibamos nós, os vianenses e quem nos representa, construir. 

Cada festeiro dirá o que de mais forte lhe bateu no coração. No meu coração batem e batem-me forte os bombos na nossa tão abandonada Praça da República. Mas neste ano, a novidade das gaitas femininas do Grupo de Zés Pereiras de Antas – Esposende, nas janelas do Taurino, a abrir os Bombos na Praça, bateu-me bem. Como diz João Vilas na sua quadra classificada em 11.º lugar, dizemos nós, também:

Os bombos tocam, felizes | E a Festa ganha emoção. | São as Festas d’Agonia… | Bate, bate, coração!

Também me bateu bem a saída do palanque de honra da marginalidade, para a centralidade do Cortejo, no fim da Avenida. Com isso, talvez menos figurantes abandonassem o cortejo mais cedo, após a passagem junto ao poder representativo e convidados, que tiveram oportunidade de ser vistos e aplaudidos pelo povo, ao descerem, em grupo, a Avenida, quiçá, como primeiro número do Cortejo.

Mas não só o Cortejo desfilou pela Avenida. A Mordomia fê-lo, e bem, na minha opinião. Saúdo a forte representação dos fatos de Geraz – Cartaz do presente ano – e a ausência dos ditos “Fatos de Meia Senhora”, que tanta tinta fez correr, em tempos idos, sobre a sua participação ou não na Mordomia. Bem rimou Remígio Costa, na sua quadra classificada em 15.º lugar:

As Mordomas d’Agonia | Na Avenida a desfilar | São campo de girassóis | À luz do sol a brilhar.

Foi assim que as Mordomas de Viana, como mulheres que, de uma ou de outra forma, dão o contributo à Festa, desfilaram imponentes no seu cortejo próprio, o da Mordomia. Já o número de mulheres em Traje de Domingar no Cortejo me pareceu exagerado. Arrisco a considerar que houve um desfile da “Mordomia do Domingar”, no Cortejo Histórico/Etnográfico. Eram domingueiras com cestos de flores; com cestos de doces e com cestos de broa. Era, na verdade, o regresso da Romaria, mas “regressaram” ao Cortejo em demasia, na minha opinião. A isso, somemos o quadro “Vamos para a Romaria” no início e o quadro “Fim da Romaria”, no final. O primeiro, mais composto e enquadrado; o segundo, atrás da Banda de Música, muito confuso, difuso, maquilhado, desregrado e desgrenhado. Nele se sentiu que as orientações de bem-vestir e ourar, obrigatórias para as participantes do Cortejo, não o foram para todas.

A parte histórica, curta, mas criativa, foi ofuscada. Houve mais Cortejo Etnográfico, do que Cortejo Histórico. Viana certamente desesperava pela Festa, como nos disse Cândido Morais, 3.º classificado nas Quadras d’Agonia, mas nem tanto:

Há muito que eu pressentia | Que Viana desespera. | Esperando a Agonia | N’Agonia desta espera.

Por outro lado, deixando para trás mágoas passadas, foi com alegria que saudei o amigo João Alpoim, de regresso ao seu papel de comentador radiofónico do cortejo. É de louvar que Viana saiba reconhecer os que dela sabem e os que dela gostam. Bem-vindo, caro João.

Por fim, rumemos a Leste, à Ribeira, ao Largo de São Domingos. Aqui, a Romaria cumpriu os reais momentos da Festa, no sentido mais antropológico do termo.

Foi vivido o paganismo da celebração do corpo e dos sentidos, com a bebida, a dança, o canto, a música e a alucinação da vida celebrada no momento; foi vivida a celebração do encontro do poder político com o poder religioso, nas pessoas do líder da oposição, Luís Montenegro, do Presidente da República Portuguesa, de governantes, do Bispo da Diocese de Viana, do Pároco de Monserrate, do Presidente da Câmara e Vereação e da Junta das freguesias urbanas; foi vivido o religioso, com a Igreja de São Domingos aberta, onde o Senhor dos Aflitos, Santa Maria Maior e São Bartolomeu dos Mártires, entre outros, assistiam e nos abençoavam; foi vivida a devoção ativa, em que, sob a bênção da padroeira, Senhora de Monserrate, vigilante na sua Igreja, os reais mordomos da Festa, mulheres e homens da Ribeira, teciam os tapetes para a Virgem  d`Agonia passar no dia seguinte, pois no dizer de Maria Gracinda Ferraz:

A mordoma mais formosa | É a mulher da Ribeira | Que desfila orgulhosa | Para honrar a Padroeira. (28.º lugar)

Perto da meia-noite, o fogo purificador da Festa bailou no céu, sobre o Rio Lima, num espetáculo inolvidável. Viana foi redimida da pandemia. Venha o futuro.

José Escaleira

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