Nunca cuspas para o ar

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manuel ribeiro

No passado dia 21 de Fevereiro, ocorreram dois factos, ambos de extrema importância, porque relacionados com a organização da Igreja Católica Romana, à qual, em Portugal, 81% da população diz pertencer (censo de 2011).

Um dos acontecimentos teve lugar no Vaticano e tratou-se de um sínodo de bispos do mundo católico a propósito dos casos de pedofilia por parte do clero (desde simples sacerdotes a bispos e cardeais), denunciados, julgados e condenados, um pouco por todo o mundo. Sobre este ponto há quem sustente que esses casos, apesar de numerosos, representam, apenas, a ponta do “iceberg” (por se estranhar que, até ao momento, tenham sido denunciados poucos casos nos países europeus latinos e percentualmente muito católicos, ou seja, em Portugal, Espanha e Itália).

O outro acontecimento, ocorrido no mesmo dia, refere-se ao lançamento, creio que por todo o mundo católico e ocidental, do livro (de mais de 600 páginas) sobre as práticas homossexuais no Vaticano, com o sugestivo título de “No Armário do Vaticano” e com o bem negro sub-título de “Poder, Hipocrisia e Homossexualidade”, da autoria de Frédéric Martel, um francês que é jornalista, investigador e escritor e que, sem hipocrisias, se confessa homossexual. O curioso é que, para a elaboração deste trabalho, fez dezenas e dezenas de entrevistas aos mais altos purpurados (41 cardeais), a bispos e monsenhores (52), a núncios apostólicos e embaixadores estrangeiros (45), a sacerdotes (mais de 200) e a vários prostitutos gays, frequentadores da “stazione centrale Roma Termini”, sempre anunciando o seu propósito de investigação jornalística e a feitura dum livro.

Durante 4 anos, registou as declarações de dezenas e dezenas de entrevistados, um pouco por todo o mundo católico, mas, com mais incidência, no Vaticano e na cidade de Roma (desde o americano e grande opositor do Papa Francisco, o Cardeal Raymond Leo Burke ao prostituto gay a quem dá o nome de Mohammed, um refugiado tunisino de religião muçulmana). O livro é sério e transparente e o seu autor foi escrupuloso no seu trabalho e método, anunciando quem era e qual o seu objectivo.
Que fique claro que os temas da pedofilia e da homossexualidade são muito diferentes, e enquanto que ambas as tendências são naturais (mas irreversíveis) e não dependem da escolha e da vontade dos que assim nasceram, nas sociedades de cultura humanista ocidental, a prática da pedofilia (o desejo forte de relações sexuais com crianças) é crime e punível com penas pesadas, ao contrário da prática homossexual entre adultos, cujo casamento é até legalmente possível. No entanto, a Igreja Católica ainda considera a prática homossexual como aberrante, antinatural e altamente pecaminosa. Pior do que isso só no islamismo, em que nalguns países teocráticos os espera a pena de morte.
Mas a informação mais surpreendente para todo o mundo e de qualquer religião ou sem religião (e chocante para os intolerantes, os radicais e os ignorantes, religiosos ou não) é a de que o cálculo de homossexuais no Vaticano é de 80% (oitenta por cento), um número avassalador para uma organização religiosa que se distinguiu pela intolerância perante a sexualidade e o legítimo prazer dos afectos, propondo o celibato como o supremo modelo da perfeição, quando, na verdade, se trata de uma doutrina anómala perante a Criação ou a Natureza e um claro atentado aos mais elementares direitos do ser humano: a procriação, a conservação da espécie!

No entanto, e perante isto, o que mais espanta é a existência de um rebanho de cordeirinhos/as, uns inocentes úteis à hipocrisia, que renuncia, medrosa ou comodamente, à tomada de posição, clara e frontal, dentro da organização religiosa católica/romana. Ora, o que vai mal é, acima de tudo, a hipocrisia, aquele vício de carácter, que Jesus mais duramente denunciou e combateu. Quanto ao resto, sigo as palavras do Papa Francisco: “mas quem sou eu para julgar?!”

Manuel José Ribeiro

Foto: BlogoniCVS

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