Certo dia um cão mimado, pretensioso,
perguntou a um cão vadio, enfarruscado,
se daquela vida de saltimbanco, desgracioso,
não estava, francamente, já envergonhado.
E o cão vadio deu meia volta e então,
sentando-se pensativo atirou-lhe a resposta:
-A melhor vida é aquela que mais agrada ao coração,
cada qual leva a vida como mais gosta.
Se te perdes ninguém te encontra ou pobre de ti
ver-te-ão algures, talvez, atropelado.
Eu vou aonde quero, nunca me perdi,
conheço tudo e sou conhecido em todo o lado.
Se ninguém se importa de mim ou me defende
também eu não terei de defender ninguém.
Toda a minha sorte só de mim depende
e em todas as circunstâncias me tenho saído bem.
Não sou torturado com cruéis vacinas
nem me desparasitam e tenho andado bem;
não me obrigam a saltar para entreter meninas
e a comida em conserva dispenso também.
Como nas traseiras de escondido tasco
onde trabalha uma carinhosa mulher.
Durmo debaixo da arcada de velho paço,
que melhor vida poderei eu escolher?
Vadiando pelas ruas, becos e vielas
cá vou satisfazendo o imenso rol
das minhas fieis e amorosas cadelas
e quando cansado eu deito-me ao sol.
Sou vagabundo como maldosamente dizes
mas tenho o que quero, tu o que mereces.
Quem de nós os dois tem os dias mais felizes
se tu, meu snob, nem a vida de cão conheces?
Eugénio Monteverde