O Chalé Quartin

Author picture

Joaquim Terroso partiu para Lisboa. Avisou-nos que havia muito a tratar com a família na capital. Ousamos, com muita delicadeza, perguntar-lhe se o motivo era o casamento do neto Constantino. – Provavelmente, mas estou um pouco cético. Os meus planos de casório em Viana, estão a ser contrariados. Mas se a noiva é vianense, lógico é que assim seja, atalhámos. – Vamos ver. Para já não quero adiantar nada. – Muito bem, aguardamos o seu regresso, com tudo devidamente pacificado. – Sim, de qualquer das formas eu volto. Estou determinado a ficar pela minha terra, e disso não abdico.

À falta de parceiro para o passeio programado, só nos restou fazê-lo isoladamente. O dia estava magnífico. A temperatura era amena e a nortada não se fazia. Deixamos a redação do jornal e aventurámo-nos praticamente no mesmo trajeto que tínhamos feito anteriormente com Joaquim Terroso, em direção ao porto de mar. Espreitada a antiga doca comercial, onde se faz sentir a imponência do Gil Eannes, seguimos e passamos junto aos ENVC, hoje West Sea. Observamos as docas, que bem conhecemos, porque tantas vezes visitadas em reportagem de entrega de navios, e constatamos a atividade frenética que é a construção naval.

Nesta observação, sem nos apercebermos, alguém se aproxima. Cumprimenta-nos e mete conversa. Apresenta-se como um velho pescador, fala-nos dos ENVC que viu nascer e da entrega dos primeiros navios. Ouvimo-lo com interesse, mas tínhamos a caminhada aprazada e não dava para muita conversa. Porém, ele não desarma. Apresenta-se como Zulmiro Mendes, e procura falar-nos da família, também ela ligada ao mar, concretamente à pesca do bacalhau. Convidámo-lo a acompanhar-nos a que acede de bom grado. Dali até à Capela da Senhora d’Agonia foi um “tirinho”. Bom, só dava para falar o velho Zulmiro.

Em frente à capela, pergunta-nos se chegamos a conhecer o Chalé Quartin, ao lado da capela de São Roque. Dissemos-lhe que sim, e não mais conseguimos falar. “Conheci-o como as palmas das mãos”, diz com satisfação. Sem nos perguntar se queríamos conhecer a história, não se fez rogado e debitou até se cansar o que sabia daquela bonita casa, abatida sem dó nem piedade na década de 1960. O que nos disse não era para nós de todo desconhecido, mas algo de novo ficámos a conhecer. Eis o seu relato:

“Tratava-se de um edifício de habitação de estilo suíço, mandado construir ainda no século XIX por Sebastião da Silva Neves, um vianense falado, fundamentalmente, por ser o dono da empresa de diligências que faziam o trajeto entre Douro e Minho, mas que também circulavam por Trá-os-Montes e até pela vizinha Galiza. Sebastião Neves faleceu em 1897.

Posteriormente, o edifício pertenceu a Domingos José de Morais, falecido em 1903. Pouco depois, foi adquirido por António Tomás Quartin, expirado em 1933, que lhe deu nome. Ambos foram homens de negócios de monta, para além de devotados e beneméritos vianenses.

Mais tarde, ali funcionou a Casa dos Pescadores, onde também se instalou a escola para pescadores, habilitada para preparar os jovens que queriam abraçar a vida do mar.

Abandonado, o chalé viria a ser demolido em 1964, depois de adquiridos os terrenos por particulares, onde se construiu o atual Bairro de São Roque”.

Já cansado, porque os comentários foram mais bem alargados que o descrito, o pescador Zulmiro ainda teve tempo para uma crítica ácida, pela não preservação de uma casa de gratas recordações.  – Sabem, foi um crime ter-se demolido tão bonito chalé, antes habitado por dois cidadãos a quem Viana tanto ficou a dever: Domingos José de Morais e António Thomás Quartim. Dois beneméritos que apoiaram todas as causas ligadas ao progresso de Viana e que muito contribuíram para suavizar a pobreza que grassava em boa parte da cidade. Os vianenses têm memória curta. Luís Figueiredo da Guerra (1853/1931), homem das letras, figura iminente da cidade, que viveu um pouco mais à frente, junto ao quartel da GNR, teve lápide na casa em que morou com referência do facto. Com o chamado progresso, que não se contesta, foi a casa e a placa. Luís Figueiredo da Guerra, hoje, é um ilustre desconhecido, apenas falado pelos amantes da cultura. Infelizmente.

– Gostámos de o ouvir Senhor Zulmiro. Excelente o seu conhecimento. – Também eu. Vão aparecendo, que terei muito para lhes contar. Ah, mas se vocês são do Jornal “A Aurora do Lima”, dado que também sou assinante deste vetusto semanário, brevemente vos faço uma visita, já que quero pagar a assinatura. Não quero ter pagamentos em atraso – Ficamos à espera. Até lá. – Até lá, meus amigos.

Outras Opiniões

Os leitores são a força e a vida do nosso jornal Assine A Aurora do Lima

O contributo da A Aurora do Lima para a vida democrática e cívica da região reside na força da relação com os seus leitores.

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.