Longe vai já o tempo em que a decisão de demolição do Edifício Jardim foi tomada para aí se construir um novo mercado que substituísse o anterior que há muito dava nota das suas insuficiências e falta de adequação às necessidades da época em matéria de conforto, acessibilidade, higiene e segurança.
Deixando para lá o debate da justiça em torno da necessidade de demolição do antigo mercado e mesmo da polémica sobre a forma como se processou a expropriação do Edifício Jardim, estamos hoje confrontados com a realidade da demolição dos dois edifícios.
Um dos espaços, o do antigo mercado, está já ocupado pelo conjunto habitacional que pretendeu substituir, em termos de oferta, a habitação entretanto suprimida na operação. O outro, está em vias de ficar livre para o que lá se queira fazer.
É sobre este ponto, e sobretudo sobre as “certezas” que por aí circulam que me quero debruçar. Se há mais de vinte anos era sensato pensar em modernizar e adaptar o antigo “mercado” independentemente do edifício que desse corpo a essa função, hoje a questão não é assim tão clara. Senão vejamos: uma qualquer visita ao mercado atual permite perceber a falta de interesse por aquele tipo de oferta e o progressivo abandono por parte de vendedores e compradores. Dirão que a errada localização poderá explicar. Será verdade em parte, mas a cidade mudou muito nos últimos 20 anos. Hoje temos uma cintura de hipermercados que disputam a oferta que não possuíamos na altura e os hábitos de consumo mudaram também de forma muito profunda. Restam hoje pouco mais de uma dúzia de vendedores permanentes no mercado lutando quotidianamente contra todas as adversidades num edifício mais vazio do que cheio quer de vendedores quer de compradores.
Dirão, contudo, que as feiras de levante dos agricultores de terças e sextas-feiras, só por si, justificariam a existência do mercado pela animação que causam e pela procura que ainda conseguem manter. É verdade, mas também não é menos verdade que a geração que dá vida aquele mercado (a dos vendedores) estará em vias de abandonar a atividade e não tem quem a substitua.
Criar um novo espaço exclusivo, que custará muito dinheiro público para uma atividade que dá fortes sinais de declínio e para uma outra que é apenas esporádica e sem sustentabilidade futura, poderá tornar-se um erro grosseiro.
Mesmo havendo mercados que prosperam em algumas cidades, não quer dizer que o curso das decisões e acontecimentos que em Viana levaram a este cenário, seja possível de alterar.
Já vamos no segundo projeto para o mercado sem que se abra uma discussão ampla na sociedade Vianense da sua pertinência ou, pelo menos, do alcance que este deverá ter. Criar infraestruturas sem que esteja criada a necessidade pode tornar-se um erro difícil de corrigir e Viana já tem exemplos que sobram na matéria. O Complexo da Marina ou mesmo o Centro Cultural são bons exemplos do que acabei de falar. Não é porque temos um ótimo centro cultural que ele deixará de passar mais dias fechado do que aberto, saltitando entre eventos sem a relevância que merece na procura desesperada de dar sentido a um equipamento que nasceu mais fruto de uma vontade do que de uma necessidade. Também tentar “enxertar” em Viana exemplos de sucesso de outras geografias sem que se estude aprofundadamente o contexto e sem qualquer estratégia capaz de mudar, por dentro, a sociedade, poderá dar mau resultado. Lembrar-se-ão certamente da tentativa de criar um “Cais de Viana” no conjunto da Marina que tão bom resultado tinha dado em Vila Nova de Gaia. No entanto, apesar de se replicar o modelo e até a sua gestão, foi, em Viana, o fracasso que se conhece. Alguém imaginaria que, paralelamente ao centro de Mar realizado com tanto sucesso, se a opção fosse a de construir um grande equipamento exclusivo para o Rugby isso, por si só, despertaria nos vianenses o desejo escondido de praticar essa modalidade e que, pouco tempo depois existissem, por cá, centenas de atletas?
Naturalmente que há necessidade de dar dignidade quer aos poucos e resistentes vendedores do atual mercado quer à atividade complementar do tecido envelhecido de agricultores que animam as terças e sextas-feiras. Naturalmente que essa dignidade de que falo pode, muito bem ser no espaço deixado vago pelo “Coutinho”. Mas é preciso parar para pensar no que são as reais necessidades, no potencial eventualmente instalado e fazer o que for mais adequado para não corrermos o risco de ter mais um “elefante branco” na cidade.
Estude-se! Debata-se! Convoque-se a sociedade civil, as instituições académicas e empresariais. O que era verdade há mais de vinte anos não é necessariamente verdade hoje nem o que é um caso de sucesso noutras cidades terá, necessariamente, potencial de sucesso nesta em concreto. Não devemos ficar presos a uma decisão que, sensatamente, tomamos há mais de vinte anos sem olharmos para todas as alterações que a sociedade sofreu, entretanto.
Jorge Teixeira