Erguida sob as águas do Lethes, esse regato que em terras galegas se atira montanha abaixo e pelo caminho se agiganta até à foz, está a velhinha Ponte de Gustave Eiffel. A velha travessia desafia o Lima, mesmo quando este se enfurece, parecendo querer-lhe passar por cima. A Ponte de madeira, que metros a jusante existia, deu serventia às gentes de Viana, mas com o rio padecia – remendava-se amiúde – para mal do erário público, dando-lhe cabo da saúde. O rio, rasgado e ferido, pela construção da Ponte Eiffel em sentido, lá se atira ao mar, sem muito a estragar. A Ponte de Eiffel, perpetuando as memórias de um tempo destemido, pujante e fecundo, que transformou Viana, o país e o mundo, deixou passar os comboios que outrora pintavam os céus com o fumo negro, chegados à Ponte, avançaram sem medo. Hoje, o fumo é mera nostalgia, como foguete que sobe aos céus e rebenta, anunciando o fim da romaria. Na memória das gentes de Viana a Ponte é a “Ponte velha”, que não viram nascer, mas que os atravessou, e lhes deu ser. O génio que a criou viveu ali perto do burgo, em Barcelinhos, quando a desenhava, e a outras da região, como a Ponte do Cávado, a do Neiva e a do Âncora, pois então. No Minho, Eiffel criou essas quatro belas Pontes, duas delas desaparecidas, votadas às calendas gregas, restando apenas a de Viana e a do Âncora. Esta última, desprezada num estaleiro de uma empresa de Póvoa de Lanhoso. Eiffel, o mago francês, pai da velha Torre de 300m, da Estátua da Liberdade (oferecida aos Estados Unidos aquando da sua independência), das Eclusas do Canal do Panamá, do Viaduto de Garabit e de muitas outras riquezas da engenharia e da arquitetura, nasceu em França, em Dijon, aos 15 de dezembro de 1832. Ao entrar na Escola Central de Artes de Paris formou-se em química, demonstrando interesse pela metalúrgica. Após trabalhar para o engenheiro Charles Nepveu, que fabricava máquinas a vapor para os caminhos de ferro, tornou-se chefe de gabinete de estudos e projetos da Pauwels & Cia, com apenas 25 anos. O seu primeiro grande desafio foi a Ponte de Bordéus, com mais de 500m e, desde aí, ficou encarregue de outras Pontes na região Sudoeste da França. Em 1866, Eiffel instalou-se a Oeste de Paris; em 1867, criou a sua própria firma, aperfeiçoando as suas técnicas, o que lhe foi conferindo certa reputação. Entre 1870 e 1880 a sua empresa seguia a todo o vapor, sendo solicitado um pouco por todo o mundo. A Casa Eiffel de Paris recebeu cerca de sete dezenas de encomendas para Portugal, sobretudo pontes e viadutos, destinados ao avanço dos caminhos de ferro, como para a Linha do Minho, a Linha do Norte, a Linha da Beira Alta, a Linha de Sintra e outras mais. No fim da sua vida dedicou-se a diversas experiências, levadas a cabo na sua Torre gigante, que era suposto ser demolida passados vinte anos, após a Exposição Universal de Paris, de 1889, que marcou o Centenário da Revolução Francesa (1789). A velha Torre serviu até de emissora de rádio, quando nos primórdios da radiofonia fazia falta um local que expandisse o sinal, e assim foi sobrevivendo, desafiando o destino. Na sua Torre, que chegou aos dias de hoje, e que é um símbolo da França, da sua pujança progressista, Eiffel dedicou-se sobretudo a experiências acerca da influência do vento – a aerodinâmica – criando um túnel de vento – acabando por dar enormes contributos para o desenvolvimento das ciências aeronáuticas. O bordador de ferro finou-se a 27 de dezembro de 1923, com os seus gloriosos 91 anos. No Lima, a sua velha Ponte é como um carreiro, por onde as ovelhas passam, porque por lá passa muita gente…desde 1878. E se Viana do Castelo é por alguns classificada como a “Meca da arquitetura em Portugal” essa definição não será por acaso. O panorama, visto de Santa Luzia, não seria o mesmo, se Eiffel não a criasse, num belo dia. E que belo bordado…
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