Por razões que, para o caso que hoje aqui trago, não têm interesse, a única linha telefónica da Capitania do Porto de Viana do Castelo estava, entre a meia noite e as oito da manhã, ligada diretamente à residência do Capitão do Porto.
Foi por esse motivo que, no dia 09 de novembro de 1981, cerca das quatro e meia da madrugada, fui informado de que uma embarcação de pesca havia enxurrado junto da praia Norte, mais concretamente, tanto quanto julgo recordar, nas proximidades de um matadouro de aves que então por ali existia.
Estou em crer ter sido dos primeiros a chegar ao local conseguindo-se, desde logo, instalar um cabo salva-vidas que um trator, de um lavrador que se encontrava no local, manteve sob tensão até ter sido conseguida uma amarração adequada em terra.
Cedo me apercebi que a única forma de minimizar os prejuízos seria tentar a retirada da embarcação por terra, retirando -lhe a maior quantidade possível dos equipamentos (radar, sonda e parte do motor) e das artes de pesca, o que começou, desde logo, a ser feito pelos respetivos tripulantes.
O aligeirar do peso possibilitou, com a ajuda de um outro trator, cujo dono fora chamado a casa, que a embarcação saísse das pedras e entrasse num local de fundo de areia, mesmo assim em área alagada, mas em que a ação do mar dificilmente poderia provocar mais estragos.
Um conjunto inusitado de apoios, que incluíram para além dos lavradores com os seus tratores, a GNR, a PSP, a Etermar, empresa responsável pela construção do porto de Viana do Castelo e até uns madeireiros que cederam alguns troncos para melhor se deslocar a embarcação, foi possível, sem agravamento do seu estado, levá – la para um estaleiro em Esposende.
A embarcação em causa chamava-se Monte do Castelo e era propriedade de dois pescadores, Luciano Fernandes de Almeida e José Carneiro de Sá, este último que ouvi referir como sendo o “ Zé Gordo”, (1) alcunha essa que tive a oportunidade de comprovar ser bastante adequada, isto porque dado o seu justificado estado emocional se recusava a sair de bordo o que só foi conseguido ao fim de algum tempo e, mesmo assim, tive de o arrastar durante uma boa centena de metros .
Dois ou três dias depois sobre o sucedido, quando me encontrava no gabinete da Capitania, fui interpelado pela minha mulher questionando-me quanto ao destino a dar ao “ monstro” que estava em casa.
Naturalmente espantado subi para a residência deparando-se- me com o “ Zé Gordo” e sua mulher, acompanhados de um badejo com seguramente 15 kg, talvez mesmo até um pouco mais, e que faziam questão em ofertar-me.
Ainda tentei demovê-los com o argumento de que face aos avultados prejuízos sofridos me parecia descabido estar a gastar dinheiro em ofertas, foi-me então referido que a minha não aceitação daquele peixe seria considerada uma afronta, pois haviam procurado adquirir o maior peixe capturado naquele dia em toda a zona Norte com o objetivo de mo ofertarem.
P.S.- Tenho a certeza absoluta que lhes terei agradecido a tão simbólica quanto volumosa oferta mas, tendo sabido que ainda hoje (2021 ) estão ambos vivos e de boa saúde, não quero deixar de reiterar os meus agradecimentos pela gentileza que não esqueci e que, como o eventual leitor calculará, foi devidamente apreciada durante vários dias.
(1) A propósito do uso das alcunhas recordo-me do que me foi referido por um velho pescador do Norte, dizia ele que “pescador sem alcunha, não é gente”.
Carlos Gomes