O protesto é legítimo

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Gonçalo Fagundes Meira

Há que reconhecer, mais uma vez, que podemos ter muitas qualidades, mas que nos falta o que é essencial para uma boa governação, que é o planeamento atempado, na base do saber ler, satisfatoriamente, o que nos reserva o futuro e, assim, estarmos preparados para nos defendermos quando as crises acontecem. Temos falta de visionários, que sejam capazes de, com segurança e convicção, apontar os melhores caminhos para conduzir o país para uma via de progresso, onde a população sinta um mínimo de estabilidade e segurança.

À boleia da Europa, que cá injetou 130 mil milhões de euros ao longo de quase quatro décadas, demos um salto muito significativo e sacudimos a miséria herdada do Estado Novo, onde tudo estava por fazer. No entanto, caminhámos muito à deriva, sem saber qual seria o melhor percurso para sairmos da retaguarda deste continente em que estamos alojados. Lá está, gente com o sentido do pragmatismo, a fazer boas leituras do que somos e como somos, do que temos e do que nos falta, do que necessitamos e como consegui-lo; está provado, não temos muito por onde escolher.

Portugal enfrenta um problema no domínio habitacional com contornos dramáticos. Não há casas suficientes para habitar e as que estão no mercado para venda ou arrendar apresentam-se com preços proibitivos e, por isso, inacessíveis ao bolso dos cidadãos, grande parte com salários a rondar os mil euros. Por isso, é que os jovens só saem de casa dos pais aos 30 anos, mais quatro acima da média europeia.

De repente, resolvemos atrair os endinheirados da Europa, isentando-os do pagamento de impostos; apostamos em criar os chamados vistos Gold para estrangeiros, desde que aqui invistam até um determinado montante, mas, como é habitual, sem qualquer tipo de controlo. Depois, ainda entendemos explorar o turismo para níveis desaconselhados, dado que uma economia dependente de um só vetor económico se arrisca à vulnerabilidade.

Contas feitas, se havia casas, essas encaminharam-se rapidamente para as mãos dos que dispõem de riqueza suficiente para comprar a qualquer preço. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, no ano passado, os estrangeiros aqui compraram quase 11 mil casas, investindo um total de 3,6 mil milhões de euros, tendo a Grande Lisboa e o Algarve captado a grande fatia do investimento, originando uma subida de 12,6% no preço da habitação, o maior aumento de que há registos. 

O Governo adota medidas avulso e teme o protesto. Mas a contestação vai acontecer, tanto mais que o juro na compra de habitação própria não para de crescer. O protesto é legítimo. Neste quadro, aos portugueses – “estrangeiros no seu país” – só lhe resta mesmo protestarem.

                    GFM 

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